17.2.10

As delícias da educação socialista


Já devo ter escrito isto muitas vezes: eu adorava ser socialista (se ao menos houvesse um milímetro de tangência ideológica…). Pois eles estão sempre cobertos de razão – e eu, que não dou uma para a caixa. Ora, sempre ouvi dizer que a força da razão vale mais do que razão da força. Quando os socialistas se agarram à lógica dos números, cheios de orgulho por terem sido escolhidos pela maioria da turba que foi a votos, são gente viciada na razão da força. Por cá, que ainda estamos na infância dos valores democráticos (a tolerância? A capacidade de negociação com os outros?), as vitórias em eleições transformam-se em contrato ilimitado para uma governação onde são admitidos assaltos constantes aos direitos fundamentais. 

Numa casa de banho pública em Liège, depois de aliviar a bexiga, li o seguinte enquanto lavava as mãos: "é obrigatório lavar as mãos depois de ir aos lavabos". Em letras garrafais, para a mensagem entrar pelos olhos de quem ali esteja a lavar as mãos após as necessidades fisiológicas. Na linha de baixo, em letras mais pequenas, o número da lei que explicava o bê-á-bá da higiene em casas de banho públicas. No ano da lei (2007), a Bélgica era comandada pelos socialistas, que nisto da engenharia social estão sempre três passos à frente dos outros. (E ainda se gabam do feito.)

Esta advertência, em tom muito sério, levantou-me dúvidas. Primeiro, é uma lição desnecessária. Quem a lê está a lavar as mãos. Se já está a fazer o que o atencioso legislador belga exigiu, está a cumprir a lei. Assim chegamos ao epicentro do assunto: a paternalista exigência do atencioso legislador belga fica a falar no vazio. É como um comício cheio de pompa e circunstância, o tribuno em exaltada oratória e, do lado de lá do púlpito, não se vê vivalma. Os sabujos que saem da casa de banho sem passarem pelo lavatório, depois de terem mexido nas partes pudibundas ou de terem limpado com papel higiénico as sobras do que obraram, evadem-se da legal exigência. O que lhes acontece (para além de carregarem o fardo da imundície que só a eles diz respeito)? Nada. A menos que um dia destes, o legislador belga (se ainda fosse socialista) pusesse um espião em cada toilette pública só para confirmar se a gentalha não se esquece dos imperativos hábitos de higiene. Para multar, multar a torto e a direito.

Segunda interrogação: consta que a escola pública na Bélgica ocupa um lugar dominante no ensino. Os socialistas desconfiam das aptidões educativas dos progenitores. Na escola – portanto – ensina-se tudo e mais alguma coisa. Até se educam as criancinhas para a cidadania. A que começam, em pezinhos de lã, a interiorizar ainda na tenra idade. E a cidadania mais séria de quando forem maiores de idade. Se uma lei exige que a malta lave as mãos depois de aliviar os líquidos e sólidos a mais dentro do corpo, é sinal de que a magnífica educação pública fracassou. E os socialistas que a conceberam, também.

Se não estivesse a falar de socialistas – que têm um catecismo muito próprio, de tal modo que as ovelhas tresmalhadas são aberrantes criaturas que só merecem desdém e ostracismo –, ainda trazia para cima da mesa a sobranceria de se substituírem à educação dos progenitores. Não vou por aí para não lesionar mais a seita socialista: se fossem levados a admitir que a gentalha é inculta, como justificar que ganhem tantas eleições?

O mau feitio que acidula as veias fez-me morder no arrependimento. Já era tarde. As mãos: já as tinha lavadas. O que apetecia era "deslavar" as mãos, só para transgredir a absurda lei socialista. Quando as autoridades querem educar com este assepsia irritante, com intrusões que se multiplicam no tempo, apetece-me ser um homem das cavernas, um boçal homem de Neandertal, desgrenhado, grunhindo monossílabos, comendo com as mãos depois de ter feito sabe-se lá o quê com as não lavadas mãos.

Um dia destes, quando os belgas forem à casa de banho, por cima dos mictórios uma lei em letras outra vez garrafais exigirá que seja a mão (a esquerda, para rimar com a ideologia dominante) a segurar no falo em micção. Vão para o raio que os parta.

1 comentário:

Anónimo disse...

Você não conhece nada da Bélgica ! Socialista a Bélgica ??? Ha ha ha ! Quando ? E se precisar continuar a educação do povo, pelo menos aqui ninguém faz as necessidades na rua, assim como os foliões do Rio !
Liège não é uma cidade modelo, mas você que vem do Brasil precisa criticar primeiro seu próprio país (do qual aliás gosto muito.)
Uma moradora de Liège.