10.2.10

Os danados dos mercados e as satânicas agências de rating


Está tudo indignado. O ministro das finanças dá uma entrevista à CNN – valha-nos isso, não no inglês técnico popularizado pelo chefe – assegurando que as finanças públicas caseiras estão bem e recomendam-se. O primeiro-ministro, como de costume imerso no seu mundo muito particular em que os ventos sopram sempre bonançosos, repreende os mercados e as agências de rating que parecem querer sabotar um país. (E não se ignorem as reprimendas do senhor primeiro-ministro.) Até o presidente da república põe de lado as querelas com o governo e, em orgulhosa exaltação patriótica, com aquele ar professoral dos tempos em que tinha a cátedra das finanças públicas, ensina aos mercados que eles estão errados. Nem a internacional socialista se salva do caos: não é que Almunia, o homem que a Espanha colocou na Comissão Europeia, camarada de partido de Zapatero, comparou a fragilidade das situações orçamentais da Espanha e de Portugal com a desordem grega?

Estranhos tempos: ninguém gosta de ser comparado à Grécia. Dir-se-ia que a Grécia tem sarna, e da contagiosa. Quando gente mais ou menos insuspeita (excepto para os heterodoxos que traficam teorias da conspiração) adverte para os riscos da má saúde orçamental e do endividamento público que cavalga a um trote alucinante, por cá há muita gente ofendida que só não crucifica estes agentes dos mercados porque eles não estão por aí à mão de semear. (Aliás, se estivessem, podemos adivinhar o que lhes aconteceria: só temos que recordar a sobranceria e a pesporrência com que o senhor primeiro-ministro reagiu, há semanas, quando o líder de um conceituado banco chamou à atenção para o desastre das finanças públicas.)

É impressionante a capacidade para navegarmos por estima. Só contam os problemas de amanhã; os do mês seguinte, os de anos seguintes, não entram nas equações. Vamos empurrando os problemas com a ponta da barriga. E assim se vão acumulando os problemas, qual perigosa bola de neve só à espera de encontrar a ladeira descendente para engrossar ainda mais.

Olho para o passado, para a incompetência dos sucessivos governos, sistematicamente incapazes de cumprir a meta do défice orçamental que eles previram; e olho para os mercados, para a sua independência – outra vez: não vou sentá-los todos no banco dos réus da actual crise económica, como é tão conveniente ao oportunismo dos heterodoxos da economia – e comparo proficiências. Prefiro confiar nos mercados. Não são eles que têm um longo cadastro de muito mal contados episódios de contabilidade criativa. Não são eles os medíocres alunos de matemática, pois quem erra por sistema são os políticos que fazem previsões para a economia. Se os vejo – mercados e governos – em passos trocados, jogo as cartas todas nos primeiros.

Por isso é incompreensível a histeria dos políticos indígenas que, num uníssono que salta as fronteiras da partidarite aguda, atiçaram mastins aos danados dos mercados e às satânicas agências de rating. Quando a realidade nos dói nas pontas dos dedos, o melhor é encontrar um curativo. Não é fingir que não estamos doentes. Senão, apenas conseguimos prolongar a agonia. Com a agravante de termos gente (que devia ser responsável) a cometer a irresponsabilidade de inocular a anestesia para que o povaréu se convença que não há doença nenhuma. Já era lamentável o estado comatoso disto tudo. Tudo piora quando a classe política, em coro, manda dizer que os mercados são burros e que a doença vai ser curada com uma perna às costas. Eu confio mais na desconfiança dos mercados.

Este coro de virgens ofendidas faz-me lembrar quando alunos vêm tirar satisfações porque não conseguem perceber a nota tão baixa que tiraram no exame. Depois de verem as asneiras que fizeram, ainda assim saem pouco convencidos: o mau aluno sabe mais que o professor. Aí, como neste episódio de não querermos ir para o mesmo saco da Grécia, a maior ignorância é a dos que não querem (ou não conseguem) perceber a realidade.

Um conselho a todos os senhores políticos que engrossaram o coro de protestos: nacionalizem as agências de rating. E, de caminho, os mercados também. Até os heterodoxos economistas vos louvavam.

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