20.2.17

A gaveta pequena


Little Dragon, “Ritual Union”, in https://www.youtube.com/watch?v=e0_TwrsD5Cw    
Corria à boca pequena: não havia maturidade que chegasse para alinhavar planos, porque a gaveta que os podia albergar era pequena. Incomodado com o lugar-comum, com o atrevimento de tudo medir pelos tamanhos medidos pelo espaço disponível, prometeu que haveria de ser lavrado desmentido categórico daquele pronunciamento.
Por mais pequena que fosse a gaveta, seria do espaço bastante para ser residência de planos, muitos e audazes. A empreitada corporizada pressupunha intensa atividade intelectual. Não podia sucumbir à patranha do sono, nem podia ser metediço com a inércia. Os algozes, os que decantavam previsões que julgavam válidas desde os seus bestuntos oráculos, seriam os primeiros a aplaudir a capitulação aos pés do fácil que era tão confortável visto de fora. Tudo era uma questão de método: teria de fermentar o pensamento nos corredores da criatividade, sempre a atirar lume para a fogueira onde medrava o espírito inventivo. E tudo passava pela teimosia em desmentir as más profecias dos sobranceiros que esvaziaram a pequena gaveta do porte que ela intrinsecamente continha.
Não podia confessar os planos que adejavam sobre o coração do pensamento – e não era por superstição, era só uma precaução contra possíveis locupletamentos de ideias cerzidas, ou contra a possibilidade de elas serem boicotadas por inescrupulosa gente (ou pelos madraços que alvitraram, das profundezas dos seus maus oráculos, que naquela pequena gaveta não teriam cabimento planos de grande igualha). Para não ser acusado de tornar imorredoiros os planos, impôs limites temporais para os conceber. Os planos seriam esboçados em estirador de primeira água, como caução simbólica do seu jaez, e logo devolvidos à pequena gaveta, que seria sua tutora. Adensar-se-iam em pequenos blocos de notas meticulosamente guardados no escasso espaço dentro da gaveta.
À medida que fossem obtendo tradução, deixando de ser simples planos e entronizando-se em realizações, sairiam da gaveta para dar lugar a outros planos que lhes viessem suceder. Na pequena gaveta encontrava procuração a ousadia que era maior do que o tamanho que se pudesse congeminar.

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