3.2.17

Dique


Protomartyr, “The Devil in His Youth”, in https://www.youtube.com/watch?v=0lmtr77LVKM    
Digo: não outorgo a vontade dos que querem regras de viés, dos que calcam sem pudor os esteios de uma determinada ordem, dos fautores das regras quando as querem transigidas. Não aceito fechar os olhos, ou assobiar para o lado, enquanto me pedem para tomar de empréstimo uma tábua-rasa a favor de outros (nem que fosse a meu próprio favor).
Escusam de endossar a semântica para os lados dos eufemismos, com mansas falas, que não fui nascido para ser insultado na inteligência que veio comigo. E se, em preparos para atirar um engodo, me julgam suscetível de ser vítima de ardis, o desengano é o melhor remédio à sua disposição: será altura (das escassas vezes) de puxar lustro ao orgulho de que mais me orgulho: a independência de pensamento, a lisura dos atos, o tratamento por igual, recusando privilégios aos que, por uma qualquer razão, se consideram merecedores de privilégios. Não capitulo deste significado de uma postura.
Não adianta torcer as regras, ou fazer da criatividade meio para untar eufemismos de parca jaez: não me convencem. Não abdico da independência. Não abdico de continuar a respeitar regras (mesmo quando não concordo com elas) e de as aplicar por igual, sem diferenças de tratamento. É o meu dique. Coriáceo, como os diques se oferecem ao saber. Dos poucos orgulhos que andam comigo, tenho o de saber que a parede do dique que edifiquei é pétrea, insensível aos abalos telúricos que queiram ter vencimento por qualquer jeito. Não deixo que o dique seja assaltado. E caso ameacem a inteireza do meu dique, tenho uma vontade indomável de reagir como um animal selvagem que se sente acossado.
Faço o que for preciso para manter as ameaças a léguas. E se as ameaças conseguem romper a primeira muralha de segurança, aproveitando-se do meu ausente conhecimento e da dissuasão a destempo, levanto as defesas para manter o dique inexpugnável às investidas soezes. Por mais custosa que seja a defesa do dique. Por mais que tenha de desalfandegar o mau feitio. Todos esses ónus pesam menos do que fechar os olhos e capitular com a podridão que se entrelaça nos poros de tudo o que seja sentido.
Com a podridão dos outros, quando são eles que a ostentam, passo muito bem.

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