Yasmine Hamdan, “Hal”, in https://www.youtube.com/watch?v=XDepIDGKC2U
Era tempo de descanso, depois do
almoço rápido e antes de voltar ao trabalho. Fugiu. Meteu-se a caminho do
jardim, à procura de um banco que estivesse sem gente, à procura de um lugar
onde não houvesse gente a importunar. Não era empreitada fácil: àquela hora, o
lugar era percorrido por pessoas que atravessavam o jardim para chegar ao outro
lado da praça.
Não se importava. Abstraía-se do que
ia à sua volta. Sentado, com o olhar perdido no firmamento, sem dar conta dos
automóveis apressados e dos que passavam devagar à procura de estacionamento,
sem dar conta das pessoas que desfilavam à frente (elas, por sua vez,
indiferentes ao homem arqueado sobre o seu peso, debruçado sobre os joelhos,
numa rivalidade de indiferenças que podia desaguar na irrelevância de toda a
gente).
Visto do exterior, o homem podia pressupor
coisas diversas. O lugar mais comum de todos: estaria a pesar e a sopesar os
cambiantes da vida. Podia apenas apreciar os transeuntes, arrolando nas
catacumbas da memória matéria-prima para enovelar enredos vários, passados a letra
de forma quando o porvir desembainhasse a espada certa. Podia estar cansado da
companhia dos colegas durante a pausa para o almoço, das suas frívolas
conversetas, e procurou um refúgio do banco do jardim que lhe garantia a
precisada solidão. Podia estar perante uma encruzilhada, daquelas que emancipam
dilemas que se sobrepõem uns aos outros, não dando vazão às possíveis respostas
que venham a propósito. Podia estar em dia não, sentado no jardim à espera que
as flores das magnólias, depostas nas suas costas, inspirassem outro estado de
espírito. Podia estar a fazer contas à vida, no sobressalto das finanças sem
equilíbrio, apesar de o governo mandar dizer que a crise já teve ocaso. Podia estar
sitiado pelas sombras sem autoria, aquelas que adejam no dorso do dia
desaproveitado. Podia entretecer planos em cima de um estirador imaginado, sem
vontade para continuar na ladainha mortiça e, ao mesmo tempo, sem coragem para
afivelar a mudança que já não sabia se era caução necessária.
Ou podia, muito simplesmente, estar sem
fazer nada, a não ser a matar o tempo. No crime mais tumefacto, sem saber que o
tempo não se mata porque corre sempre depressa de mais.
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