15.2.17

O homem que corria atrás do tempo no banco do jardim


Yasmine Hamdan, “Hal”, in https://www.youtube.com/watch?v=XDepIDGKC2U    
Era tempo de descanso, depois do almoço rápido e antes de voltar ao trabalho. Fugiu. Meteu-se a caminho do jardim, à procura de um banco que estivesse sem gente, à procura de um lugar onde não houvesse gente a importunar. Não era empreitada fácil: àquela hora, o lugar era percorrido por pessoas que atravessavam o jardim para chegar ao outro lado da praça.
Não se importava. Abstraía-se do que ia à sua volta. Sentado, com o olhar perdido no firmamento, sem dar conta dos automóveis apressados e dos que passavam devagar à procura de estacionamento, sem dar conta das pessoas que desfilavam à frente (elas, por sua vez, indiferentes ao homem arqueado sobre o seu peso, debruçado sobre os joelhos, numa rivalidade de indiferenças que podia desaguar na irrelevância de toda a gente).
Visto do exterior, o homem podia pressupor coisas diversas. O lugar mais comum de todos: estaria a pesar e a sopesar os cambiantes da vida. Podia apenas apreciar os transeuntes, arrolando nas catacumbas da memória matéria-prima para enovelar enredos vários, passados a letra de forma quando o porvir desembainhasse a espada certa. Podia estar cansado da companhia dos colegas durante a pausa para o almoço, das suas frívolas conversetas, e procurou um refúgio do banco do jardim que lhe garantia a precisada solidão. Podia estar perante uma encruzilhada, daquelas que emancipam dilemas que se sobrepõem uns aos outros, não dando vazão às possíveis respostas que venham a propósito. Podia estar em dia não, sentado no jardim à espera que as flores das magnólias, depostas nas suas costas, inspirassem outro estado de espírito. Podia estar a fazer contas à vida, no sobressalto das finanças sem equilíbrio, apesar de o governo mandar dizer que a crise já teve ocaso. Podia estar sitiado pelas sombras sem autoria, aquelas que adejam no dorso do dia desaproveitado. Podia entretecer planos em cima de um estirador imaginado, sem vontade para continuar na ladainha mortiça e, ao mesmo tempo, sem coragem para afivelar a mudança que já não sabia se era caução necessária.
Ou podia, muito simplesmente, estar sem fazer nada, a não ser a matar o tempo. No crime mais tumefacto, sem saber que o tempo não se mata porque corre sempre depressa de mais.

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