23.2.17

Do medo – ou como se não deve ter medo dele


Máquina del Amor, “Má Onda, Parte I”, in https://www.youtube.com/watch?v=pnLl-tounwo    
"A única coisa que não se deve ter na vida é medo. Para o resto há sempre remédio." Agostinho da Silva, Lembranças sul-americanas, Lisboa, Cotovia, 1989, p. 73.
Os medos mal-amanhados, semeados de fora para dentro, que procuram intimidar, que procuram ser donos da vontade de quem se assusta. Gente improfícua é capaz de tais artimanhas. Talvez se julguem acima dos que conseguem amedrontar. Os pobres, nem percebem que quem se socorre do medo para condicionar a vontade de outros confessa, através do medo semeado, as suas confrangedoras capacidades. Não fossem limitados, não precisavam de deitar mão ao medo para conduzirem a vontade dos outros ao encontro de um destino que as suas parcas capacidades não são capazes de atingir sem o móbil do medo.
Acossados pelo medo, o que devemos fazer? Talvez capitular, porque nunca se sabe do que tal gente é capaz. Só que o medo, se tiver o condão de intimidar, é a prova de que podemos ver a vontade locupletada por intromissão alheia. É sabido que isto acontece algumas vezes e sem a intermediação do medo. Não é desses casos que se trata, pois apenas interessam aqueles em que a vontade própria se torna maleável através do medo que vem de fora para dentro. Acossados por um medo destes, e sentindo a hipoteca a pesar sobre a vontade própria, não podemos se não rejeitar o medo e devolver a distorção da vontade a quem a pressentiu persuasiva.
Dirão que há um risco que não é de somenos importância: a hipótese da materialização do medo através dos danos tangíveis, ao não se capitular perante as ameaças. Que não se pense que é um desassombro de bravura inconsequente; não é apenas para ostentar intrepidez, num ato gratuito que ressoa a vaidade fátua. Acossados com a hipótese da vontade hipotecada por lesão causada por outrem, nem ao medo se deve capitular sob pena de uma parte que é nossa, e a vontade correspondente, serem depostas em mãos exteriores a nós.
Não queremos, nem sob o jugo do medo, atirar as ameias da nossa vontade para a decisão que apraz a outros e que é por eles comandada. Não queremos deixar de ser quem somos.

Sem comentários: