Toro Y Moi, “Say That”, in https://www.youtube.com/watch?v=gGmfOsdla2Y
Os dois homens passavam à frente de
uma loja de eletrodomésticos, cheia de anúncios a marcas comercializadas que
partilhavam o espaço (amontoado) com cartazes que aliciavam as pessoas a
comprarem a prestações (dando-se o caso de haver míngua de dinheiro, por causa
da crise que é sempre perene). Notaram no aquário e nos três peixes que
deslizavam vagarosamente nas águas já um pouco lodosas. Pareceu-lhes que o aquário
estava sem contexto. Uma loja de eletrodomésticos não vende peixes avulso nem
aquários para os albergar.
Não havia problema. As originalidades
é que emprestam beleza ao espetáculo que vem do mundo. Se não as houvesse, era
como se as rotinas se enraizassem vetustamente, a tal ponto que as pessoas nem
dariam conta de serem rotinas, nem dariam conta de as rotinas poderem destruir a
sua criatividade, podendo até embaciar emoções.
Os dois homens decidiram travar o
passo para apreciarem a coregrafia dos peixes. Tinham cores diferentes, os três
peixes. E tamanhos diferentes. Passavam uns pelos outros no que parecia ser indiferença.
Mesmo quando, nas suas deambulações, quase se roçavam uns nos outros,
permanecia a impassibilidade. Nadavam ora em sentidos diferentes, ora paralelos
uns aos outros. Sempre com respeito pelo espaço vital dos outros, o espaço que
era preciso para sulcar as exíguas águas do aquário sem atropelar os demais. Não
disputavam os pedaços de comida que boiavam à superfície da água. Quando um se
refugiava atrás de uma pequena pedra, os outros procuravam outros lugares do
aquário.
Os dois homens ficaram alguns minutos
a apreciar o movimento dos peixes dentro do aquário. Em silêncio. Até que um
deles capitulou ao cansaço; aquele palco esgotara-se na sua gramática simbólica.
Esgotara-se, em sentido pleno. Primeiro, porque os largos minutos diante do aquário
levaram o pensamento a um vazio. Segundo, afinal não valia a pena torcer as
imagens vindas de dentro da loja de eletrodomésticos. Só se os dois quisessem é
que podiam ser autores de uma reinterpretação, decerto metafórica, do palco que
lhes era oferecido pela atenção que puseram ao interior da loja.
Ao irem embora, continuaram em silêncio.
Um dos homens pensou perguntar ao outro que imagens tinham trespassado o
pensamento no tempo que estiveram a olhar para o aquário. O outro homem pensou o
mesmo. Não passaram das intenções e o aquário dentro da loja de eletrodomésticos
perdeu-se no firmamento dos impossíveis.
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