Dead Can Dance, “Kiko”, in https://www.youtube.com/watch?v=wWGKwNt9NY8
Da ciência gastronómica: no bolo mármore
combinam-se duas massas de cores e sabores diferentes, na forma de um entrançado
de massas que, depois de aberto o bolo, revela um singular entrelaçar de
diferenças.
Da aplicação da ciência gastronómica às
coisas atuais do mundo: quem julga que os povos do mundo ficam perfeitos se
confinados ao hermetismo dos iguais, engana-se. Somos maiores quando temos
abertura ao que é diferente. Quando nos enlaçamos na riqueza que vem da dissemelhança
dos outros, aprendendo com eles e tendo a humildade de ensinar se dos outros
houver a disposição para aprender um pouco com a linhagem que é nossa. Reduzir as
comunidades à semelhança, fundeá-las numa idiossincrasia que é dom exclusivo, é
andar a caminho de um lugar refém do hermetismo. Não conseguimos soltar as
amarras que procedem da pequenez da identidade cerzida por exclusão.
A aprendizagem que os diferentes têm
uns com os outros é que os faz serem maiores. O entrelaçar de diferenças obriga
a pensar fora da caixa. A aprender diferentes costumes, diferentes
gastronomias, diferentes línguas, diferentes culturas, no embeber dessas
diferenças. Obriga a projetar o olhar bem por cima dos seus limites. Deixando-o
sufragar as águas até então inexperimentadas, no meneio da irrefreável vontade
para dar as mãos às diferenças que provêm dos outros. Reconhecendo que as
diferenças não são extintas mercê de um lírico, utópico pensamento que tenha a
ambição de as desfazer no cais da semelhança que é o dom genético da espécie. As
diferenças existem. Ainda bem que continuam a existir. Se fossem dissolvidas na
peneira de uma engenharia social maniqueísta, não podíamos celebrá-las, não
poderíamos deitar mão de ingredientes que nos atraem no que é diferente para,
desse modo, ficarmos maiores.
Se formos fautores de um bolo mármore,
deixamos janelas abertas para a entrada de elementos novos que viermos a
capturar na cosmovisão da diferença. Será um bolo mármore versátil, uma
constelação plural de cores e de expressões, um imenso caldo de culturas. Não é
desidentificação: é a reinvenção constante da identidade. A recusa da inércia. Um
opúsculo expedito que desencrava o ensimesmar que nos pode apequenar.
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