King Gizzard & The Lizard
Wizard, “People-Vultures”, in https://www.youtube.com/watch?v=6f78_Tf4Tdk
Como teias gastas, mas empedernidas,
impossíveis de embotar. O corpo parado numa encruzilhada, a meio caminho entre
duas léguas diferentes com olhar para o abismo. Os braços atados numa
camisa-de-forças, em que foi metido sem saber como. Caminhava, sem parar. Sem saber
por onde ir, apenas caminhando. Dia e noite fora.
Às vezes, fechava os olhos e sonhava
que estava a dormir. Ou, também podia ser, era um espaçoso mar com ondas
encapeladas a engolir navios mercantes com a impiedade de um demónio sem freio.
De repente, abria os olhos e via-se subjugado por uma camisa-de-forças, morto
de sede, corrompido pela desorientação e, porém, penhor de uma vontade indomável
de prosseguir o caminho errante. Um par de falcões sobrevoava-o. Não pareciam estar
em pose ameaçadora. Mais pareciam estar de atalaia, talvez para o socorrer caso
fosse preciso. Aliviou o sobressalto contínuo.
Já não dormia há três noites seguidas
e o cansaço não o consumia. As mãos sem vontade queriam aplaudir a tenacidade,
mas um módico de razão freava o instinto: assim como assim, tratava-se de uma
errância, inconsequente como são as errâncias – e as mãos estavam agrilhoadas,
não se podiam mexer. Não arriscava perguntar aos meandros da alma sobre a
serventia da empreitada. Tinha medo de mergulhar num vórtice de interrogações
sucessivas, cada vez mais complexas, e que a ausência de respostas o dilacerasse.
De repente, pôs-se circunspecto. Queria saber quando seria o tempo do sono, sem
ficar refém de sonhos variegados que pareciam ser um campo de batalha onde não tinha
armas para terçar. A chuva, imprevista (como sabia ser imprevista, era outra
incógnita), tornou as coisas mais árduas. As roupas encharcadas enrodilharam o
emaranhado de si já denso. Fundiram-se com o corpo, numa osmose impercetível. O
cansaço continuava a sua recusa, paradoxalmente.
Deu o peito à tempestade enquanto a
noite se compunha. Não deu conta de o tempo passar e a alvorada irrompia. A chuva
continuava a sua prece cruel. Insistente, desafiou tudo à sua volta, apesar de
a tempestade ter crescido. Devolvido ao emaranhado de si mesmo, sentia-se tutor
de tudo o que pudesse ser ameaça. Afinal de contas, era como se fosse um deus
(apesar de continuar a dar-se como ateu).
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