Tim Buckley, “Song to the
Siren”, in https://www.youtube.com/watch?v=vMTEtDBHGY4
Quando vou de manhã para o ginásio, o
caminho leva-me a percorrer uma rua onde está um stand da Porsche. Não há dia
que não abrande, desviando o olhar para a esquerda, para apreciar o contingente
estacionado no stand. E aprecio. Às vezes, por uns momentos (enquanto o
pensamento não é requisitado para outros fins), sonho com a abastança material
que fosse a caução para conduzir todos os dias um Porsche.
Ao que alguns tutores da “decência”,
confrontados com tamanha frivolidade (mesmo sem saberem o que me motivaria a
ser penhor de tal sonho – o que não é desprezível), e outros amanhados num
fundamentalismo ecológico (porque um Porsche tem motor potente e, portanto,
guloso no consumo de combustível, sendo um veículo com elevado potencial
negativo para o ambiente), depressa se perfilariam de censura em riste. Os segundos,
pelas considerações ambientais, às quais é provável estarem ligados preconceitos
de ordem ideológica e filosófica (uma certa candura ambientalista, de algum
modo um lirismo que não se desprende de uma posição assertiva contra a leviandade
do consumo e da adulação de marcas que apenas contribui para engrossar os
lucros de grandes conglomerados empresariais). Os primeiros, não prescindindo
de fazer julgamentos dos outros quando transitam por atos lesivos dos padrões
morais de que se dizem testas-de-ferro, não hesitando no açoite ao mais alto nível,
pois não é tolerável que as pessoas continuem enfeitiçadas por meros objetos
que são ardis na satisfação de desejos de quem os compra (ou gostaria de
comprar). Protestam, estes arautos da “boa moral”, que as pessoas perdem a sua
essencialidade ao caírem no logro dos objetos de desejo. Transfiguram-se no
palco onde os juízos pessoais se confundem e as pessoas são armadilhadas para
substituírem valores por objetos, sendo vítimas de uma terrível materialização.
Já ouvi e li argumentos de semelhante
igualha. E continuo a sonhar com a compra de um Porsche de cada vez que passo
ao lado do stand a caminho do ginásio. Porque não julgo as preferências dos
outros, nem lhes imputo juízos de valor, é-me indiferente o que tais curadores
da “boa sociedade” possam dizer. Se for gratificação bastante acusarem-me de
superficialidade por um Porsche fazer parte da minha dimensão onírica, não me
custa a fazer-lhes o favor. É uma incorrigível fragilidade que me percorre por
dentro. O que julgam não tem relevância. Apenas contam os (meus) mecanismos
interiores que conduzem à afirmação de interesses, preferências, gostos, de uma
estética, da identidade que seja a minha. Sem a usura de ter de explicar as
preferências pelos objetos desejados, pois não confiro legitimidade a esses
julgadores putativos.
Até lá, continuo a sonhar que haverei
de ter as chaves de um Porsche na mão (ó maldito pecadilho!).
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