13.2.17

Bolo mármore


Dead Can Dance, “Kiko”, in https://www.youtube.com/watch?v=wWGKwNt9NY8    
Da ciência gastronómica: no bolo mármore combinam-se duas massas de cores e sabores diferentes, na forma de um entrançado de massas que, depois de aberto o bolo, revela um singular entrelaçar de diferenças.
Da aplicação da ciência gastronómica às coisas atuais do mundo: quem julga que os povos do mundo ficam perfeitos se confinados ao hermetismo dos iguais, engana-se. Somos maiores quando temos abertura ao que é diferente. Quando nos enlaçamos na riqueza que vem da dissemelhança dos outros, aprendendo com eles e tendo a humildade de ensinar se dos outros houver a disposição para aprender um pouco com a linhagem que é nossa. Reduzir as comunidades à semelhança, fundeá-las numa idiossincrasia que é dom exclusivo, é andar a caminho de um lugar refém do hermetismo. Não conseguimos soltar as amarras que procedem da pequenez da identidade cerzida por exclusão.
A aprendizagem que os diferentes têm uns com os outros é que os faz serem maiores. O entrelaçar de diferenças obriga a pensar fora da caixa. A aprender diferentes costumes, diferentes gastronomias, diferentes línguas, diferentes culturas, no embeber dessas diferenças. Obriga a projetar o olhar bem por cima dos seus limites. Deixando-o sufragar as águas até então inexperimentadas, no meneio da irrefreável vontade para dar as mãos às diferenças que provêm dos outros. Reconhecendo que as diferenças não são extintas mercê de um lírico, utópico pensamento que tenha a ambição de as desfazer no cais da semelhança que é o dom genético da espécie. As diferenças existem. Ainda bem que continuam a existir. Se fossem dissolvidas na peneira de uma engenharia social maniqueísta, não podíamos celebrá-las, não poderíamos deitar mão de ingredientes que nos atraem no que é diferente para, desse modo, ficarmos maiores.
Se formos fautores de um bolo mármore, deixamos janelas abertas para a entrada de elementos novos que viermos a capturar na cosmovisão da diferença. Será um bolo mármore versátil, uma constelação plural de cores e de expressões, um imenso caldo de culturas. Não é desidentificação: é a reinvenção constante da identidade. A recusa da inércia. Um opúsculo expedito que desencrava o ensimesmar que nos pode apequenar.    

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