10.2.17

Controlo de qualidade (departamento)


Wand, “Fire in the Mountain I-II-III” (live on KEXP), in https://www.youtube.com/watch?v=jet_oYkXtgM    
Exerça-se a censura, a impecável censura, dentro dos limites que abarcam o território do ser. A censura propedêutica que afasta do fio do horizonte o que agride o pensamento e tem o mau dom de sobressaltar o sono. A censura democrática, pois ao ser não interessa maior bem que o seu bem interior. Nem que sejam mil os dias de fortuna hipotecada, para depois se soerguer do nevoeiro deposto pelo coador da qualidade que a barragem imposta traduz à nascença.
Podem-se impedir imagens, lugares, autores, pessoas, acontecimentos, probabilidades, sons, cores. Exerça-se a censura emoliente. Pois sem ela agacham-se sob os membros inferiores as pedras nos sapatos que depois dão em unhas encravadas. Impõe-se a instalação de um departamento de controlo de qualidade. E que os ouvidos se façam de mercadores a uma das maiores patranhas coevas – a de que somos penhores da vida em conjunto e, portanto, devemos entregar a individualidade no altar das prioridades do grupo. A censura deve começar por aí: por indeferir esse totalitarismo que pressagia o agrilhoar da vontade, deposta nas prioridades coletivas, assim definidas por uma vontade sem rosto.
O departamento de controlo da qualidade, responsável pelo exercício meticuloso da censura que evita males maiores às consumições da alma, mete travão aos macilentos sacerdotes que doutrinam o totalitarismo que mascaram sob a forma de uma democracia absorvente. Se cada um não for soberano de si mesmo, somos servos de imperativos ditados de cima para baixo, com a semântica cobertura das virtudes que daí subjazem para o grupo inteiro. Como se o grupo não fosse o somatório de vontades individuais. Como se fosse possível falar em democracia quando uma indeterminada vontade coletiva, impessoal por esse motivo, se sobrepõe à vontade individual que com ela entra em conflito, sem ter a sobreposição o sinónimo de um atropelo.
A censura individual serve para frear o entrose das costuras interiores em caso de conflito: ela liberta as amarras do cais e deixa a barcaça-refúgio zarpar para alto mar, onde o ensimesmar não agride ninguém. Alguns chamam a isto sociopatia. Só eles podem responder pelo julgamento que é de uma pertinência sublime para as suas conveniências.

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