Wand, “Fire in the Mountain I-II-III” (live on KEXP),
in https://www.youtube.com/watch?v=jet_oYkXtgM
Exerça-se
a censura, a impecável censura, dentro dos limites que abarcam o território do
ser. A censura propedêutica que afasta do fio do horizonte o que agride o
pensamento e tem o mau dom de sobressaltar o sono. A censura democrática, pois ao
ser não interessa maior bem que o seu bem interior. Nem que sejam mil os dias
de fortuna hipotecada, para depois se soerguer do nevoeiro deposto pelo coador
da qualidade que a barragem imposta traduz à nascença.
Podem-se
impedir imagens, lugares, autores, pessoas, acontecimentos, probabilidades,
sons, cores. Exerça-se a censura emoliente. Pois sem ela agacham-se sob os
membros inferiores as pedras nos sapatos que depois dão em unhas encravadas. Impõe-se
a instalação de um departamento de controlo de qualidade. E que os ouvidos se
façam de mercadores a uma das maiores patranhas coevas – a de que somos
penhores da vida em conjunto e, portanto, devemos entregar a individualidade no
altar das prioridades do grupo. A censura deve começar por aí: por indeferir
esse totalitarismo que pressagia o agrilhoar da vontade, deposta nas
prioridades coletivas, assim definidas por uma vontade sem rosto.
O
departamento de controlo da qualidade, responsável pelo exercício meticuloso da
censura que evita males maiores às consumições da alma, mete travão aos
macilentos sacerdotes que doutrinam o totalitarismo que mascaram sob a forma de
uma democracia absorvente. Se cada um não for soberano de si mesmo, somos
servos de imperativos ditados de cima para baixo, com a semântica cobertura das
virtudes que daí subjazem para o grupo inteiro. Como se o grupo não fosse o
somatório de vontades individuais. Como se fosse possível falar em democracia
quando uma indeterminada vontade coletiva, impessoal por esse motivo, se sobrepõe
à vontade individual que com ela entra em conflito, sem ter a sobreposição o
sinónimo de um atropelo.
A
censura individual serve para frear o entrose das costuras interiores em caso
de conflito: ela liberta as amarras do cais e deixa a barcaça-refúgio zarpar
para alto mar, onde o ensimesmar não agride ninguém. Alguns chamam a isto
sociopatia. Só eles podem responder pelo julgamento que é de uma pertinência
sublime para as suas conveniências.
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