8.2.17

Rufias


Ty Segall, “Break a Guitar” (live on KCRW), in https://www.youtube.com/watch?v=qlrmCc0oGeM    
Uma coleção de pedras, das pontiagudas, para atirar às vidraças que apetecer, quando a má disposição precisar de ser depurada. O vocabulário destrambelhado nos momentos em que ele é menos necessário. Fazer o contrário daquilo que os outros estão à espera. Odiar as coisas adoradas pela turba e adorar as outras, desprezadas pela maioria. Não ajudar velhinhas a atravessar a passadeira. Desdenhar de todos os protocolos.
Dormir de dia. Deixar o trabalho para os outros, tão diligentemente assoberbados em darem um quinhão para o “bem comum”. Atravessar o rubicão da maldade, apenas como forma de provocação (que não têm gosto particular em praticar a maldade). Roubar os frutos ainda verdes. Tirar da ideia a bazófia de serem os modernos Robin dos Bosques. Hastear uma bandeira negra em lugar de todas as bandeiras nacionais encontradas tristemente a vacilar ao vento madraço. Escrever uns pregões arrevesados e ininteligíveis nas paredes de empresas multinacionais. E, logo a seguir, espalhar a confusão numa manifestação de protesto convocada por anarquistas, mesmo correndo o risco de serem apodados de fascistas, só porque a desonestidade intelectual lhes causa espécie.
É quando começam a ser anjos escondidos. Sovam o empregado do café que aldrabou os turistas no troco. Sovam o dono do café que quer partilhar o pecúlio das patranhas metidas aos inocentes turistas. Sovam um turista que olha com desdém para um mendigo. Sovam um mendigo que maltratou um cão vadio. Metem pregos na cadeira da esplanada que vai ser ocupada pela senhora dondoca, depois de ela ter arrogantemente ordenado algo ao moço do café. Desaprovam os escritos clandestinos que supõem uma rebeldia apenas artificial. Deitam lume aos jornais acríticos que estão quase a ir para os escaparates. Sabotam o sinal das televisões que teimam em emitir lixo em direto. Depois de amordaçarem dois seguranças do pavilhão do clube da terra, mandam três petardos nauseabundos para o interior só para incomodar a soberba dos adeptos. Adulteram a ementa afixada no exterior de um restaurante todo catita, com-estrelas-Michelin-e-tudo, num exercício de reinvenção gastronómica. Aplaudem a coreografia dos residentes do manicómio que estão em visita à baixa da cidade. Desviam o pé-de-meia das caixas de esmolas das igrejas da cidade em favor do manicómio; proclamam que é ali que se produz cultura em estado puro.
Candidatam-se, por iniciativa própria, a uma estadia (nada artística) no manicómio.

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