20.8.18

All the way down (short stories #12)


A Guy Called Gerald, “Humanity”, in https://www.youtube.com/watch?v=9X0XnnzSNLQ
          Não é um exercício de mortificação. Não se trata de decadência, como seria de adivinhar pelas palavras aglomeradas: “all the way down”. Quando se começa do cume e o caminho depois vem sempre a descer, poder-se-á pressagiar um mau agoiro, com o verbo a piorar a cada passo, até chegar a ser ruínas de si próprio. Trata-se de uma tresleitura. Não é lugar para desembainhar metáforas. É lugar para o oblívio das metáforas, para a literalidade da expressão que se embebe no úbere das suas palavras constitutivas. A matemática pura dos termos adequados: sempre a descer, porque antes se assinalou a proeza de uma ascensão. Uma subida que não está ao alcance dos simples mortais. No auge, depois de libertar a extenuação e em aproveitando para apreciar o mapa sob os pés, congeminam-se os sentidos operacionais. Depois de subir, encena-se a descida. Sem qualquer esboço de decadência, pois não se cuida de saber os terríveis meandros que mergulham a existência na sombra de si mesma. Descer pode parecer uma empreitada fácil, mas vaticina uma inesperada contrariedade (ao olhar do lugar-comum, pelo menos). Solta-se o freio do corpo e ele desafia a gravidade. É preciso ter tento no corpo enquanto a alcantilada descida se sopesa contra o seu peso. Podia apenas voar; não é garantido o resultado (por mais que o senso-comum advirta contra a possibilidade, atirando, contra ela, as fracas probabilidades de glória; antes do acontecido, ninguém pode aferir sobre o desiderato). Sempre é a descer, e na companhia da vertigem – e continua a não ser o lugar para o uso de metáforas. Ao fundo da descida, um abrupto fio de água anuncia o vale. A vertigem da descida adultera os sentidos: o fio de água parece eclipsar-se no horizonte. É uma miragem. O corpo transido pela vertigem da descida atravessa a combustão das miragens. A descida está quase no fim. O passo estugado confirma-o.

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