10.8.18

Coexistência (short stories #6)


Air, “Surfin on a Rocket”, in https://www.youtube.com/watch?v=IE4KUvoGgXE
          Um arquipélago de matéria: do mesmo modo que não somos ilhas, pedaços de nós vivem subtilmente embebidos noutros. Por isso, é ilegítimo postular que “o inferno são os outros”. Em conferência com a reciprocidade, há laivos dos outros que fazem parte de nós. Que não sejam confundidos os planos: a exposição às influências exteriores é ditada pela vontade; as que esvoejam como esporas cravadas no dorso, são maquiavélicas intrusões recusadas pelo império da vontade. É inato à condição da espécie: coexistimos. No que a coexistência pode ter de laudatório e de repreensível. Não é sempre o modo de haver coexistência pacífica ou tolerável. Compensa-se com a coexistência que enche as medidas. Este é um exemplo de como a qualidade leva de vencida a quantidade: por mais numeroso o exército dos que corporizam a coexistência lamentável, ele é derrotado pelo restrito grupo que pertence à coexistência propícia. As interações da coexistência assentam numa complexa teia. Não é possível desenhar essa teia. Não são lineares as linhas que unem dois pontos. Os pontos que se unem através da teia podem ser sufragados pela interrupção determinada por fatores externos. E a própria lucidez de quem congemina os fios que entretecem a teia pode sofrer variações: um padrão de julgamento é subjetivo e pode mudar de feição a meio do jogo. Ao evocar a ilegitimidade de postular os outros como inferno, sobe à boca de cena um pressuposto difícil de aceitar (em manifesto entrose de qualquer culto de personalidade): o inferno somos nós. O encómio é para os que aceitam a nossa coexistência. 

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