1.8.18

Da utilidade do arco-íris


Conan Osiris, “Barcos”, live on Ginga Beat, in https://www.youtube.com/watch?v=sJPfYhcrZCo
I
              Num pequeno país asiático – consta da notícia–, o líder, há trinta e três anos no poder, ganhou as eleições outra vez. Todos os lugares do parlamento pertencem ao seu partido. Na declaração da vitória, o líder deixou cair que o país vai a caminho do partido único, pois a oposição não reuniu votos para ter lugares no parlamento. O déspota está errado (a menos que admita a condição de déspota, termos em que o anunciado é um postulado lógico). A legitimidade está incarnada na pluralidade de vozes. Mesmo que o viés se acentue e um dos concorrentes se torne (quase) monopolista, é quando as vozes dissidentes, por mais exíguas que sejam, fazem sentido. Não há notícia de arco-íris compostos por uma singular cor (a menos que sejam fotografados a preto e branco).
                                                        II
          Numa reunião, e depois de trocados argumentos, o moderador anuncia que se impõe um “consenso”. Podia ter dito: “esforcemo-nos por chegar a um mínimo denominador comum”. Fez tábua-rasa e arriscou bitola mais ambiciosa – e, ao mesmo tempo, totalitária. Algumas das vozes discordam do método e do resultado pretendido. Mesmo que estivessem dispostos a contribuir para o mínimo denominador comum, com a ressalva das posições divergentes (e sua legitimidade), não aceitam o “consenso” imposto. Não admitem que seja validada a sobreposição da maioria sobre as minorias. Amotinam-se contra a ditadura da maioria. Alguns, com propensão para o mau feitio, proclamam a indiferença ao “consenso” enquanto esgrimem argumentos contra – nem que sejam argumentos forjados no estirador intelectual, apenas para contrariar o “consenso”. O “consenso” é o arco-íris unicolor. Sem sabor. Uma camisa-de-forças sobre os que discordam e, todavia, sabem ser a sua discordância silenciada no altar supremo do “consenso”. O arco-íris não fica visível se houver nuvens a embaciá-lo.
III
              O homem experiente acusa o toque: ficou contristado ao saber que alguém não tem simpatia por ele. Incomodado, pergunta aos mecanismos interiores como pode acontecer alguém não gostar dele. É sua aspiração saber que reúne a simpatia de todos – sem exceção. Está profundamente errado. Ninguém pode pretender beneficiar de um aval incondicional dos outros. É uma vaidade espúria. Só pode acontecer por o pessoal espelho de tal pessoa irradiar uma imagem distorcida de quem nele se projeta. Ninguém pode pretender ser adorado na unanimidade, pois essa mesma pessoa não gosta de toda a gente. “É saudável que haja pessoas que não simpatizam connosco”, sossegou o psiquiatra, a meio de uma sessão de psicanálise. O homem, não convencido, admitiu que devota mais atenção aos que não gostam dele (pelo incómodo causado). O psiquiatra esbraceja a metáfora do arco-íris: “Não gosta de todas as cores do arco-íris, pois não? Imagine o que seria do arco-íris se apenas as cores da sua preferência o compusessem.
IV
        Princípio metódico contra as maiorias: o direito geral à discordância. Nem que seja por higiénico imperativo intelectual. As maiorias já são, por definição, numerosas. Não precisam de adicionais alistamentos. É mais gratificante engrossar o reduzido rol de uma minoria, saber-se sentado nas hercúleas contracorrentes que se insubordinam contra marés dominantes. O arco-íris não é pintado com uma só cor, ou com um punhado de cores. É uma constelação de cores (sete, dizem os manuais; muitas mais, se o arco-íris for metáfora). E mesmo que o olhar destaque uma ou duas cores como as que dominam o arco-íris, o mesmo olhar não pode desprezar as outras cores que compõem a paleta. Ou não passa de um olhar maniqueísta e parcial, um olhar que recusa a pluralidade e que não chega a ser adulto.

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