8.8.18

Silêncio de fachada (short stories #4)


New Order, “Your Silent Face”, in https://www.youtube.com/watch?v=WFRjCqpskrE
          Será pedir de mais, na sombra deste silêncio que aparenta doer, que haja palavras que se refugiam no silêncio? Não se caia no lugar-comum de adjetivar o silêncio: ele não é ensurdecedor. Podem dizer que dói mais a ausência das palavras do que um palco montado com palavras desagradáveis, agressivas, autênticos dentes de leão aferroados na carne funda. O silêncio é de fachada. Uma escolha deliberada: alguém põe-se a falar através do seu silêncio; ou, por outras (não ditas) palavras, a escolha intencional do silêncio é a forma de reprimir palavras que seriam duras. Nesta medida, o silêncio diz muito. Diz tanto quanto as palavras resguardadas na varanda do silêncio. À volta do silêncio, as testemunhas reduzem-se a essa condição – são testemunhas do silêncio, não conseguem decifrar as palavras escondidas na cortina do silêncio, não as conseguem adivinhar. Adejam as sombras que são a mácula do silêncio. O silêncio não se afivela no penhor de quem não tem nada para dizer; ao contrário, é o sufrágio das palavras propositadamente obliteradas no parêntesis do silêncio. Evocam-se no ar, onde são dissolvidas à medida que a ira febril arrefece com a ajuda do tempo. Essa é a sua condição ideal. Se as palavras pungentes, escondidas no castelo indomável do silêncio, fossem reveladas, seriam um punhal cravado nas costas de quem testemunha o silêncio. Mas o silêncio de fachada não é um ato piedoso. É um jogo que se joga, no cálculo das probabilidades de certas palavras que, por terem sido ditas, causam danos que, uns após outros, podem chegar a ser irreparáveis.

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