Sufjan Stevens, “Chicago” (live at Austin City Limits), in https://www.youtube.com/watch?v=SKZYb_S_KBg
Era uma rua estreita, inclinada, muito inclinada, arqueando o seu peso sobre o peso morto da colina. Uma casa diferente das outras. As outras, alindadas, ostentando pintura nova, as cores garridas projetando-se das paredes como se fossem as suas comendas e muito fosse o orgulho não disfarçado das casas assim airosas. A casa que era diferente era uma casa triste, sombriamente cinzenta, ausente de cores. Não se diria estar em ruínas, ou sequer abandonada: um estendal com roupa a secar era a prova de que era habitada. Uma das janelas, no primeiro andar, tinha o vidro estilhaçado. No parapeito da janela, dois vasos com alecrim. Em contraste com a demais figura da casa, o alecrim estava pujante, abundante, vivaz. Conseguia-se sentir o aroma a partir da rua. Na sombra dos estilhaços em que se transformara a janela, distinguiu-se a silhueta de uma menina. Parecia atarefada, para trás e para a frente, mexendo e remexendo aqui e acolá. O cabelo comprido acompanhava, em suave coreografia, as lides da casa. A menina assomou à janela. Trazia um pano de limpar o pó. Cuidadosamente, para não se ferir nas arestas vivas do vidro estilhaçado, limpou a madeira da janela. O rosto vinha afogado em tristeza. A melancolia devia-se à janela estilhaçada – talvez não tivesse dinheiro para a mandar reparar. Num descuido, a menina fez um corte num dedo. Verteu lágrimas em vez de sangue. A janela estilhaçada tinha exaurido o sangue, mas continuavam fecundas as lágrimas que eram a prova da imensa melancolia que a menina trazia como selo da existência. Três dias depois, voltou àquela rua. A casa que era diferente das outras já não estava habitada. Uma agência imobiliária informava, em letras garrafais, que fora vendida. Os vasos de alecrim continuavam no seu posto. Ainda não tinham tido tempo para começar a definhar. Talvez a menina tenha deixado a melancolia na casa diferente das outras.
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