1.8.19

Elogio do vagar (short stories #132)


Radiohead, “Motion Picture Soundtrack” (live at Canal Plus), in https://www.youtube.com/watch?v=S_kOpU7k4XU
          Não é só pelas férias: começa a prosperar o descrédito da pulsão da voragem em que se consomem as vidas modernas. Tudo tem de ser feito depressa, e não é por campear a ideia sobre a escassez do tempo, de como as vidas são sempre manifestamente curtas; a voracidade hodierna é uma autêntica pulsão suicida. As pessoas querem apressar o tempo, porque têm medo de ficar com tempo de sobra nas mãos. Ou julgam que, no meio dos seus mil-e-um afazeres (outra doença da modernidade: somos todos reféns da azáfama), o tempo é curto, o que leva as pessoas a toureá-lo com a excelência da velocidade. Há uma tendência contrária que aspira visibilidade. Sublima o vagar, em todas as suas possíveis dimensões, como epítome da qualidade de vida. Não devemos ter pressa para nada, se não somos consumidos pela vertigem do tempo e acabamos por soçobrar na sua infinita fragilidade – que é o espelho da fragilidade de quem se empenha na sofreguidão de tudo. Há livros de filósofos que ensinam a vida pelo parâmetro do vagar (“O Elogio da Lentidão”, de Lamberto Maffei; “O Aroma do Tempo”, de Byung-Chul Hun). Não é só pela entrada em férias que se reivindica um lugar centrípeto para o vagar. Muitos de nós, que têm uma vaga lembrança de como a lentidão quadra com qualidade de vida, devem fazer interior contrição. Conduzimos depressa, não queremos ficar presos no semáforo vermelho, escrevemos depressa, queremos despachar tarefas antes do prazo marcado, dormimos depressa, comemos depressa, irritamo-nos com os que circulam com uma lentidão exasperante, tudo é um turbilhão onde somos presas fáceis do tempo. Talvez o reconhecimento do erro tremendo de querer ser depressa seja o começo para outro comportamento. Não foi a lição daqueles livros que me trouxe a esta ideia. Numa rua, enquanto ultrapassava um velhinho que circulava a passo de caracol, exclamei, a páginas meias com um impropério: “és bom para ir buscar a morte!” Logo a seguir, concluí que esta expressão idiomática é um equívoco grosseiro. Quem vai depressa é que tem pressa de ir buscar a morte. 

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