Grizzly Bear, “Three Rings” (live on KCRW), in https://www.youtube.com/watch?v=mLrCGH7zAjA
A aba do chapéu escondia o que queria ocultado do olhar. A aba descaía sobre o olhar, mesmo a jeito de turvar o horizonte. Não fazia nada para que fosse ao contrário. Desconfiava que uma visão desembaraçada não era a caução que precisava. Já fora assim. O olhar desimpedido era um paradoxal estribilho que impunha uma censura angustiante: quanto mais clara era a luz, mais se adensavam as sombras e as nuvens no parapeito dos dias. E os dias eram transfigurados em noites que pareciam perenes. Muitas eram as vezes em que parava no miradouro e perguntava ao horizonte que direção devia tomar. Havia um certo sentido de desorientação, algo que o sobressaltava. Nunca encontrou respostas. Talvez não fosse o propósito, se as coisas forem vistas de outro ângulo. Em sossego das perplexidades, admitia que não houvesse vivalma a poder garantir ter uma direção linear, sem tergiversações pelo caminho, encruzilhadas sem resposta. Não era diferente dos outros. A semelhança não o apaziguava. Não é através dos males alheios que afivela os seus próprios. Só sente as suas apoquentações. Essas é que devem ser consideradas no turbilhão das sensações que se entrecruzam nas veias ardentes. Uma direção; se ao menos houvesse uma direção por onde seguir. Não era o caso. Sabia ser soldado raso nos interstícios do destino (fosse lá o que fosse o destino). Era mais uma peça avulsa nos lugares avulsos onde até o tempo era jogado ao acaso. Se calhar, a ausência de direção geograficamente determinada é a direção que pertence a todos. Não é tempo que se mereça perder com a demanda. Vamos ao acaso, que o acaso combina com o sortilégio, um sortilégio qualquer, de desenhar as bissetrizes. Esqueceu-se de desafios, de contendas, de alternativas, dos pesares pelos logros, dos mapas estendidos em cima do estirador à espera de cuidada verificação. Tudo se resumia ao alvorecer e a deixar-se vogar no caudal em que fosse embarcadiço.
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