26.8.19

Arranha-céus (short stories #149)


Dead Can Dance, “The Ubiquitous Mr. Lovegrove”, in https://www.youtube.com/watch?v=qbaKEt5BtHo
          Não é farta a abundância: das doenças maiores é cobiçar o que se não tem. Dizia, de cada vez que esbarrava numa história de vida em que alguém quis ser maior do que a própria medida. Depois, jogam-se os adágios a preceito (outra excrescência, como os lugares-comuns que se soerguem de cada vez que alguém assobia um par de palavras a propósito): “quanto mais se trepa, maior é a queda.” Por isso não entendia os arranha-céus. Não os há muito cá pela Europa. Dera de caras com eles em cidades americanas e em algumas megapolis asiáticas. As ruas ficam sem céu, enfurnadas entre a miríade de arranha-céus. Melhor se diria, em vez de se lhes chamar arranha-céus, que estes altos edifícios são açambarcadores dos céus. Crescem em direção aos céus, como se estivessem a arranhá-los – ou não fosse esse o seu nome de batismo. Depois de instalados, os arranha-céus locupletam os céus. Do chão, nessas ruas acabrunhadas onde os arranha-céus têm morada, as pessoas mal conseguem deitar os olhos no céu. Nunca deixou de pensar como a panóplia de arranha-céus é a moeda da desmesura dos homens. Não gostam de viver raso ao solo. Edificam em altura e em altura expressam uma medida da grandeza humana. É como uma nova forma de colonização, na vertical, a colonização do céu pelo emaranhado de aço e vidraças. Medram numa espécie de espaço sideral que adeja sobre as cidades. Estão de atalaia e, empossados nesse papel, arvoram-se de uma sumptuosidade não reconhecida nos edifícios que não conseguiram ser arranha-céus. No avesso certo das cidades, amontoam-se estes emaranhados onde as pessoas são triviais peões. Os arranha-céus podiam viver sem gente; do alto da sua imponência, ganham vida própria, são a prova viva do fausto da cidade. E a cidade, as suas pessoas, enriquecem-se de identidade na admiração constante aos arranha-céus. Assim como assim, não é todos os dias que o Homem desafia os elementos e conquista um pedaço do céu. Metaforicamente falando. 

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