9.8.19

O agente secreto de porco preto (short stories #138)


Iggy Pop, “James Bond”, in https://www.youtube.com/watch?v=86aFnMzn7Cs
          Esta é a história (abreviada) de um personagem que se achava de si mesmo oráculo para as coisas que ele próprio adivinhava. No seu íntimo, encontrava a testosterona própria de um agente secreto. Não se coibia, em suas elucubrações – onde amiúde resvalava para a conversa de chinelo –, de deitar mão a uma retórica porcina, e aqui a evocação aos recos usa a metáfora que os compara com aqueles humanos que não ficavam descontextualizados se fossem apanhados a chafurdar numa pocilga. O agente secreto de porco preto – este é o nome de código – teve, em sua recente descoberta, uma epifania: os incêndios florestais foram uma conspiração de quadrantes políticos que ainda não se conformaram com a fórmula governativa vigente. E o agente secreto de porco preto, descuidando-se na retórica de quem não devia dar o flanco intelectual, parte para uma cascada de argumentos que prova, mas só dentro da sua patológica cabeça, que os incêndios foram orquestrados com mestria militar, com a intencionalidade de matarem, e muita, gente. Não há provas, a não ser as suspeitas que povoam a malsã cabeça do agente secreto de porco preto. Mas ele é tão obstinado que, pelo menos dentro da sua morbosa cabeça, suspeitas transfiguram-se em provas. Não se cansará de afirmar, pelo menos de si para si mesmo, como se fosse um diálogo onanista: “como estou convencido que foi isto que aconteceu, foi isto que aconteceu”. E enquanto uma teoria esbracejada com mal-amanhados propósitos estiver ao serviço de uma finalidade, ela substitui-se à realidade que está submetida à prova. O agente secreto de porco preto nem dá conta da inversão dos fatores: os argumentos põem-se à prova e só depois se conclui se validam a teoria; com o agente secreto de porco preto é ao contrário: temos a teoria avant la lettree depois congemina-se uma argumentação servida a preceito. Entende-se, agora, que o agente secreto de porco preto esteja afastado dos cânones da ciência.

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