13.1.20

A ditadura dos corpos


DIIV, “The Spark”, in https://www.youtube.com/watch?v=YEI2IAyoBZI
O desafio dos corpos: não são um simples amontoado de maquinaria, a confluência de carne e sangue e ossos, os fluidos do seu funcionamento; os corpos são a sua transcendência, um corpóreo manual de respostas aos impulsos que os corpos, como domínio da vontade, não conseguem domar. Os corpos respondem à vontade que lhes é exterior, a vontade comandada pela parte incorpórea que há em nós e que nos domina. A vontade não inventariável.
Por toda a História fora, são copiosos os episódios de censores dos corpos, na repressão de um hedonismo que é adversário de uma outra forma de obediência – os credos vários, as religiões, os sacerdotes que são porta-vozes de credos, religiões e outras dependências das almas. É mais fácil reprimir os corpos do que dirigir a repressão para a parte incorpórea de nós. A vontade sem rosto, que não está tatuada no corpo, não se presta à dominação absoluta dos sacerdotes que, do exterior, pressentem a bondade dos comportamentos esculpidos. 
Por mais que seja fértil a safra dos comandantes dos corpos, as mentes continuam irrefreáveis, penhoras de uma liberdade irremissível. Não importa que sejam usados métodos execráveis, e que em nome de um autoanunciado “bem maior” exércitos imensos de mortais abdiquem da sua liberdade e aceitem a castração dos sacerdotes que os convencem da necessidade e da bondade dos atilhos que convergem para o enevoamento dos corpos. Dizem, em sua defesa: somos dominados pela ditadura dos corpos, eles têm de ser dominados por uma força maior que os liberte desse espartilho. Nem que seja preciso dobrar a vontade à força bruta, contrariando os instintos que conduzem os corpos. Acreditando que a castração dos corpos se há de impor à vontade rebelde, sem rosto, não identificável, que norteia os corpos. 
Uma ditadura que substitui uma ditadura não deixa de ser uma ditadura.
Monta-se um cenário hediondo. Linhas de montagem para desmembrar a linhagem dos corpos, com prévia ideologização obrigatória que ensine os malefícios da ditadura dos corpos. Partes de corpos torturadas até que as forças se tornem exangues e juras irremediáveis sejam feitas, no selo da incapacidade que subjaz, para os corpos não mais sucumbirem no planalto da demoníaca vontade. Como se fossem lobotomias do desejo, só porque os sacerdotes desta moralidade impante se extasiam na desarte de dominar vontades que não são as deles – possivelmente, porque as vontades deles ou são frígidas, ou se enovelam numa conspícua, mas inconfessável, promiscuidade. 
Será sempre uma totalitária exação que tem uma colheita por defeito ou por excesso. Sem meio termo plausível.

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