Cold Showers, “Shine”, in https://www.youtube.com/watch?v=nvZETvomGrA
O mar que tem chama. O seu incenso irrompe do luar que esbraceja a atalaia sobre o mar. Parecem diamantes a espreitar entre o leve ondular do mar. Diamantes soerguidos para se embeberem no lençol caiado que é conferido pelo luar sazonal. Dir-se-ia: o mar sobreaqueceu, de tanta chama, o mar abraseado como nunca se vira. Ou talvez já fora visto, pudesse o olhar vencer o sono (ou ser derrotado pela insónia) e, em dia de lua grávida, apreciasse o efeito produzido no mar seu recetor.
É um mar que chama. Apetece demorar o olhar, anotar meticulosamente as alterações trazidas pelo avançar da noite, até já se notar a primeira luz clara. Até à lua se agigantar de novo, como se contrariasse a senescência que a alvorada determina. O mar, qualquer que seja: uma vasta cama onde se acalmam os espíritos, ou um redemoinho voraz, a tela onde se expõe o mar sob os efeitos de uma tempestade. No último caso, não é provável que haja qualquer efeito da lua sobre o mar, ou pelo menos que este efeito seja visível.
O corpo vence o frio da noite e abeira-se do mar. Sente a quimera da maré e procede como se as mãos (obedientemente diligenciadas) se deitassem sobre o mar e apanhassem cada um dos iridescentes diamantes que espreitam através da escotilha para se saciarem na lua. Uma noite, uma fina língua de nevoeiro bordejava o mar. Parecia que os diamantes eram pessoas, talvez marinheiros escondidos nas profundezas do mar que vinham beber no luar as quimeras de que precisavam. Não pôde confirmar se eram vultos brunidos pelo luar irrefreável, ou se era uma ilusão trazida ao olhar pela combustão do luar com a fina língua de nevoeiro que aterrara sobre o mar.
Este é o mar que chama. Com ou sem luar. Qualquer que seja a estação que toma conta do calendário. Sem relação causal com o estado de espírito. E muito mais do que um apeadeiro: um refúgio que se sabe sempre onde está, sem ser preciso um mapa para no mar ter cais; ou, em havendo dúvidas, é só seguir as indicações da maresia.
O mar que chama, como se o chamamento fosse uma chama viva, incandescente, uma tocha sobrelevando no amparo das mãos que não se gastam. Enquanto houver um mar que chama. Um mar com chama.
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