14.1.20

Até setembro


Fontaines D.C., “Liberty Belle”, in https://www.youtube.com/watch?v=HgLypctZ9Gs
Diremos: “até setembro”, com ou sem exclamação, depende do estado de espírito, depende das cores que tingiram os sonhos. Até setembro, quando soubermos da latitude dos ventos que são o presságio do outono, e nas nuvens por ele trazidas repousarmos os rostos cansados do estio. Só para podermos dizer, sem exclamação, “até setembro” como arte da posse do tempo, como se agora, que ainda é inverno, estivéssemos a reaver a pele exsudada pelo calor que ainda se sente com o setembro às costas. 
Queremos o setembro para sabermos que o verão está de partida. Poder-se-ia contrapor, com o dedo erguido de perplexidade: “mas se ainda agora é janeiro, por que se pressente com tanta antecedência o cansaço do verão?” Não temos resposta. Só sabemos que o verão é uma fadiga inteira. Suamos, durante o verão, e não gostamos. Há noites mal dormidas porque são noites tropicais, raras neste lugar que semeia maresias localizadas que se opõem às noites tropicais, mas noites tropicais em número imoderado. 
O setembro, consideramo-lo o estaleiro onde se começa a montar o outono, a estação preferida. Aos primeiros arremedos de frio noturno, começamos a sentir o odor de um outono que medra na decadência do verão. E agora, que ainda é janeiro e está frio lá fora, damos um salto no tempo, aos meados do setembro que se apresta a dizer adeus ao verão, e temos a audácia de combinar esse salto no tempo, como se fosse possível obliterar o verão, o sempre longo verão (apesar da influência atlântica que o tempera). Alguém poderia protestar: “estão mal-habituados. Sem ir mais longe, prouvera que convivessem com o verão com influência dos ventos saarianos, e o que diriam?”
Não damos importância ao protesto lavrado no imaginário através de uma personagem imaginária. Este é o verão que temos. O verão que nos cansa. Mesmo quando ainda vamos a caminho do apogeu do inverno. Demanda extemporânea, porque nem sabemos como vai ser o próximo verão. Este é um proémio que não cai em saco roto. É como se se soubéssemos, com toda esta antecipação, que os corpos acobreados querem regressar à sua alvura com o consentimento do inverno. Por isso exclamamos: “até setembro!”, com o olhar tingido pelos tons acobreados do outono que se começa a pressentir por alturas de meados de setembro. 

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