9.1.20

Mãos à obra (short stories #191)


Jambinai, “Connection”, in https://www.youtube.com/watch?v=mpmtnLLZPcg
          Deste cimento que só tem história futura, uso dose moderada para assentar a obra. Espero fruir da obra e deixar que os que dela queiram ter usucapião consigam seus intentos: a obra não obedece à regra da exclusão do uso; é uma obra para memória futura. Não temo os temores sacrificiais inscritos no caderno de encargos. Não fiz cálculos sobre a resistência dos materiais, que a matemática não é o meu forte. O meu forte são as bainhas das palavras que se escondem nos contrafortes da obra. Não estão lá escritas, que as paredes caiadas não deixam que nelas se deponha nada para além da cal. As palavras pressentem-se quando os pés se metem nas suas entranhas. É como se subissem do chão e se embebessem nos corpos dos visitantes, transfigurados em autênticos poemas vivos, andantes. Por isso, meto as mãos à obra. As mãos sufragam os alicerces com a medida de sua solidez. Congeminam a feitura das paredes, dando a forma à obra, as arestas aparadas pela graciosidade das mãos obreiras. Para tanto, abro uma exceção, eu que estou convencido da inaptidão para a empreitada. Abro uma exceção e deixo que as mãos caiam sobre a obra e a façam através do estirador dos dedos meticulosos, cuidadosos, artesãos. No fim de cada dia, vendo como a obra progride nem que seja uns modestos centímetros, sussurro uma jura para o dia vindouro: “mãos à obra!” Quero da obra que as mãos se saibam saciadas, ao verem, quando a obra tiver finalização, a obra por elas erguida. Esse é o incentivo que abate as contrariedades que um dia sombrio possa tecer. E, no dia seguinte, acordo com o incentivo de meter as mãos à obra. Nem que seja para a fazer avançar uns poucos centímetros. Pois as mãos obreiras estipulam o seu próprio caderno de encargos e do resto (o seu cumprimento) cuida a vontade rebelde.

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