3.1.20

Um shot de hoje (short stories #190)


O Terno, “Pegando Leve”, in https://www.youtube.com/watch?v=SqAb_9xuYuc
          Não é à razão que deixamos rédea desenfreada. A razão; e o que é a razão? Se quiséssemos entrar pela semiologia, cuidaríamos de concluir que é um conceito. Apenas um conceito. E que a razão por trás do conceito fosse a razão da razão que, enquanto conceito, aparecia esvaziada. Olhamos para o dia corrente. O dia que importa. Decidimos abraçá-lo, como os gurus da moderna comunicação (os profetas do marketing) dizem de “abraçar um projeto” (não vá o projeto, de tão prodigioso, fugir entre os dedos; por isso é que se usam os braços, na totalidade). Usá-lo, até à medula. Desafiamos o dia: “mostra o que tens para nos dar, ó dia audaz!”. Não importa o tempo que está, porque o tempo, esse outro, o que encurta a cada dia a que dizemos adeus, é a medida que usamos para a nossa estatura. Perguntas, em desafio: “tomamos um shot de hoje?” Não rejeito a demanda. E partimos pela estrada, sem saber para onde vamos. Partimos, como se o asfalto fosse as páginas onde deixamos seladas as palavras que deixamos vir à boca. Dizemos nomes: nomes de terras, nomes de flores, nomes de escritores, nomes de filmes, nomes de músicos, os nomes que gostamos de chamar um ao outro. Entoamos a cor do amor, o seu nome. Tudo isto enquanto delibamos o shot de hoje. Pegamos numa máscara deixada ao acaso na berma. Não cuidamos das máscaras; é como os despojos do mar que ficam, avulsos, a afear a praia depois de um mar tempestuoso. As máscaras são o ardil do fingimento. Não queremos saber do fingimento (a não ser quando vamos ao teatro). Deixamos que os outros sejam o seu próprio teatro, à medida que somos os penhores dos palcos onde montamos o teatro sem fingimento de que somos lídimos dramaturgos. Enquanto apreciamos o shot de hoje. O intemporal shot.

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