8.10.20

Manta de retalhos (short stories #264)

Beck, “Wow”, in https://www.youtube.com/watch?v=pyCkhPTU13w

          Junto às mãos nuas as posses remanescentes, a morada da vergonha. Ouvia rumores sobre o pudor, como os preconceitos se abatiam sobre o dorso inocente das pessoas; como, cruel, adejava um raio circundante que tatuava o selo da desonra. As vozes puídas amontoavam-se num coro disforme. Queriam a punição, exemplar. Não se compungiam com os lamentos da praxe – diz-se que, no magma do arrependimento, as proclamações de comiseração sobem à boca de cena, como se fosse preciso uma escusa por causa do (pelos vistos) topete de se ser quem é. Já poucas coisas faziam sentido, mergulhadas num campo infecundo onde as cores ocre se misturavam com os despojos do que fora, dantes, o intenso lobrigar. Os cadáveres eram o mosto irrelevante da paisagem, caldeados com o leve arrotear desordenado dos campos, como se fosse possível haver vivalma naquele lugar ermo. Ficara com a impressão de uma manta de retalhos, tivesse sido dada a possibilidade de me elevar em posição sobranceira sobre a paisagem. Seria como um mandamento exemplar da policromia de uma vida inteira, insubmissa contra o caudal parado onde medra a letargia. Não temi o opróbrio. Não temi o juízo de valores, aparentemente virado contra mim. Não temi o julgamento de personalidade por quem considero como não par. Esses pesarosos mastins dos costumes alheios não se perfumam a não ser com o odor fétido em que foram paridos. A abjuração às suas mãos é uma dádiva. Não é cadastro o que sobra; é uma medalha à lapela, uma comenda insistida pela privativa ordem de inescrupulosos figurões – uma primavera esplendorosa. Possam ser estes os meus confins, mas são da minha lavra. Deles não porfiem hesternos juízos que patenteiam adversos verbos. Não frequento essas latitudes. Prefiro as que são de minhas consumições. As que cabem nos deslimites do extravagante pensamento. Do pensamento da minha lavra.

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