Outra voz. Vacila. Encontra-se no meio do nevoeiro arbóreo, disputando o orvalho com as folhas. Está sedento. Não sabe de onde emergiu esta fecunda iridescência que se abate sobre o seu corpo, resgatando o que considerava ser um anátema de si mesmo. Tem a impressão, fugaz, que fugiu. Fugiu o que pôde. Fugiu até encontrar um paradeiro. Sem pôr à prova a madurez, ainda intacta.
- É bom que preserve a madurez. Um dia destes, a decadência toma inabaláveis esteios e já não sei se não esperar.
Em vez de capitulação, iniciam-se as negociações. Desconhece a identidade do negociador. Ou o seu paradeiro. Inventaria as cláusulas que quer vertidas em letra de forma. Delimita as partes inconcessionáveis. Revê o método. Revê as aparas do desmedo que deixou, furtivas, nas mãos que eram suas perseguidoras – as mãos afinal suas, holograma imaginado, ou disputa feérica contra um eu escondido que, insubmisso, disputa os despojos da lucidez.
- Não consigo esperar que a noite tenha finitude. Arrasto-me para aqui, emaranhado num caleidoscópio de matéria inerte, e já não lembro como é ver o céu azulado. Não desespero. Apenas espero que a maré esteja de feição.
Na hora combinada, o negociador não compareceu. Não era difícil a empreitada: o lugar ermo estava deserto, se aparecesse alguém só podia ser o negociador. Mais ninguém teria a ousadia de aparecer num lugar tão ermo, tão aparentemente deslocado da estética. (Para não dizer “feio”.) Esperou. Não estava em posição de desprezar a negociação. Era no seu interesse. Mais do que no interesse do, por ora, enigmático negociador. Não sabia o seu nome e menos ainda os traços físicos que o distinguiam. Foi às cegas.
- Não sei se fui vítima de um logro. A negociação ainda não subiu à cena. Pode nem haver negociação, se o negociador deixar o lugar deserto. Serei vítima? A ausência de negociação não é o produto acabado de um logro.
Ensaiava uma justificação autoconvincente. Ele, tão preparado para selar um tratado quintessencial, esperava que as outras partes se dignassem com a sua presença. Provavelmente o tratado estava condenado a não passar de intenção. Também conta. As intenções não podem ficar dissimuladas no vago fumo da memória. Antes que fosse atraiçoado pela espuma do tempo, verteu os termos do tratado em papel edificante. Que não fosse por outros propósitos, o tratado ficaria a adejar para memória futura. Foi quando tomou consciência de que ele era o negociador que esperava.
- Não deixarei deserto o lugar ermo que estava fadado para tão solene tratado. Cuidarei da sua hegemonia. Sem concessões. Serei o curador deste tratado. Mudá-lo-ei consoante o sabre do tempo, a perfídia que o invadir, ou a solenidade que convocar a gentileza de palavras poetisas. Não precisarei de selar agradecimentos. Todos temos um tempo testemunha do desprendimento. Este é o tratado que deixo em legado.
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