30.10.20

Maus exemplos (short stories #274)

Fontaines D.C., “Too Real” (live at Glastonbury), in https://www.youtube.com/watch?v=lNmK24-wPEM

          O que diz o castrense aos unicórnios? Impetra para que exemplar seja a sua conduta, pois os não exemplares são súbditos de condição proscrita, por flagrante delito dos códigos de (boa) conduta. Dirá: “vejam-me como seu diligente seguidor, o garboso cumpridor, ademais, zeloso escrutinador das baias dos outros, generosamente amparando-os para não treslerem suas condutas.” Não o disse, mas deixou nas entrelinhas: este é o papel que exerce, apaixonadamente e por desinteresse. Até correndo o risco de dissabores, pois que unicórnios há que se insurgem, e com maus modos, contra tão altruísta prestação de serviços. O castrense é o pináculo do paradigma que se exerce em sua total normalidade. Os unicórnios não passaram pelos códigos de conduta e desconhecem que o seu privativo dicionário contenha a palavra “normalidade”.Incomodam-se com os quadros meticulosamente adestrados onde só há lugar para a perfeição. A perfeição é um logro, a tortura dos que sonham com um lugar feito de gente apenas amestrada. Não se importam que sejam denunciados e logo de seguida apostrofados de “mau exemplo”. Eles correm por onde lhes apetece, sem o cabresto dos castrenses a cercear a perna que se quer longa. Se pudessem ser um animal, seriam os rocinantes selvagens que erram pelos montes, de quem se diz não terem dono. Nem que fiquem a dever à estética (assim considerada pelas convenções) e não sejam acolhidos como notáveis ao lagar onde só os ditos cujos têm tenência. Os unicórnios não se ajuramentam maus exemplos. Mas se a sentença provier dos castrenses que não recusam a rédea curta, sentem-se elogiados. Aos rigores semânticos preferiam que deles se disse serem “sem exemplo”. Quadrava melhor com a insubmissão sem quartel. Não queiram, os castrenses encavalitados na austera vergasta que fazem adejar sobre os demais, saber dos maus exemplos em que vegetam os sem exemplo.

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