Toma-se partido. Um lado. Aos outros perde-se o rastilho. As escolhas são contingentes. Poder-se-ia lamentar que não são perfeitas. Mas essa perfeição, a existir, seria a automática negação da perfeição reivindicada. Ganha voz o suave gotejar da chuva que desfaz as ilusões. Impossível, a perfeição; sobra a resignação como pano de fundo.
No fundo, sabemos que os corredores por onde navega o juízo açambarcam a lucidez. Como se o juízo fosse errante e, sem paradeiro, se emaranhasse na distração das paredes dos corredores que o apequenam. Poder-se-ia mobilizar as vontades para a estultícia metódica que toma o acessório por essencial. Mas já sabemos: andamos a léguas da perfeição. Não se espere de nós intenções sem mácula, manifestações coroadas por uma pureza magnífica, o leve adocicar das palavras sem elas se mentirem a si mesmas. Transgredimos. Nisso, somos humanos.
Ou, então, seríamos como convidados para um lauto banquete e não conhecíamos os demais que amesendavam. Cuidaríamos da diligência social: seria abundante a conversa de circunstância, as perguntas que misturam a inata curiosidade com códigos de conduta, a exibição de vontades rivais, esta a ponte que agiliza a mitomania dos circunstantes. Daríamos conta do imenso teatro onde se congemina o trato. Dir-se-ia: é mais fácil mentir aos desconhecidos, que o deixaram de ser na alíquota do banquete. Os mitómanos não chegam a perceber que são as primeiras presas da ilusão que contaminam a si próprios.
No banquete, seriam só gravatas e vestidos de lantejoulas (como se fosse a imperativa indumentária). Ai de quem dissidisse e se apresentasse como um maltrapilho – e para tanto seria capaz ostentar, em dose provocatória, uma qualquer indumentária que não quadrasse com a do código determinado. Muito depressa se toma uma discriminação. Os códigos de conduta têm esta serventia. Identificam os que pertencem à casta, como se tivessem dificuldade em se inventariarem uns aos outros. Do lado de fora, os que não têm gabarito para pertencer ao escol. As fronteiras cerzidas em fazendas nobres e alqueires de ufania servem para estilhaçar os pertencentes em várias camadas. E, amiúde, cristalizam pertenças quiméricas que se cimentam na frivolidade de uma vestiaria.
O espartilho dos logros é uma fantasia, está à distância de quem toma partido. Às vezes, Juno é uma inanidade escondida na opulência de uma catadura exterior. Sem saberem, os pretendentes ao lugar de Juno são acrobatas sem circo. Se ao menos soubessem as cores das nuvens...
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