12.10.20

A nuvem de Juno

Eels, “Baby Let’s Make it Real”, in https://www.youtube.com/watch?v=vg0RLilnYO0

Toma-se partido. Um lado. Aos outros perde-se o rastilho. As escolhas são contingentes. Poder-se-ia lamentar que não são perfeitas. Mas essa perfeição, a existir, seria a automática negação da perfeição reivindicada. Ganha voz o suave gotejar da chuva que desfaz as ilusões. Impossível, a perfeição; sobra a resignação como pano de fundo.

No fundo, sabemos que os corredores por onde navega o juízo açambarcam a lucidez. Como se o juízo fosse errante e, sem paradeiro, se emaranhasse na distração das paredes dos corredores que o apequenam. Poder-se-ia mobilizar as vontades para a estultícia metódica que toma o acessório por essencial. Mas já sabemos: andamos a léguas da perfeição. Não se espere de nós intenções sem mácula, manifestações coroadas por uma pureza magnífica, o leve adocicar das palavras sem elas se mentirem a si mesmas. Transgredimos. Nisso, somos humanos.

Ou, então, seríamos como convidados para um lauto banquete e não conhecíamos os demais que amesendavam. Cuidaríamos da diligência social: seria abundante a conversa de circunstância, as perguntas que misturam a inata curiosidade com códigos de conduta, a exibição de vontades rivais, esta a ponte que agiliza a mitomania dos circunstantes. Daríamos conta do imenso teatro onde se congemina o trato. Dir-se-ia: é mais fácil mentir aos desconhecidos, que o deixaram de ser na alíquota do banquete. Os mitómanos não chegam a perceber que são as primeiras presas da ilusão que contaminam a si próprios.

No banquete, seriam só gravatas e vestidos de lantejoulas (como se fosse a imperativa indumentária). Ai de quem dissidisse e se apresentasse como um maltrapilho – e para tanto seria capaz ostentar, em dose provocatória, uma qualquer indumentária que não quadrasse com a do código determinado. Muito depressa se toma uma discriminação. Os códigos de conduta têm esta serventia. Identificam os que pertencem à casta, como se tivessem dificuldade em se inventariarem uns aos outros. Do lado de fora, os que não têm gabarito para pertencer ao escol. As fronteiras cerzidas em fazendas nobres e alqueires de ufania servem para estilhaçar os pertencentes em várias camadas. E, amiúde, cristalizam pertenças quiméricas que se cimentam na frivolidade de uma vestiaria.

O espartilho dos logros é uma fantasia, está à distância de quem toma partido. Às vezes, Juno é uma inanidade escondida na opulência de uma catadura exterior. Sem saberem, os pretendentes ao lugar de Juno são acrobatas sem circo. Se ao menos soubessem as cores das nuvens...

Sem comentários: