Éramos crianças: ensinavam-nos: não se contam segredos à frente das outras pessoas; é feio. Mas isso era quando éramos crianças. Nessa altura, as bitolas da educação seriam diferentes das de agora.
(Muito embora as pessoas muito importantes que aparecem na fotografia não sejam muito mais novas, podendo-se pressupor que, quando lhes tocou a vez de serem crianças, também terão sido submetidas aos mesmos padrões educativos. Ou pode acontecer, em palco alternativo, que os progenitores destas personagens fossem rebeldes. Para eles, não contavam os ancestrais modos da educação.)
Nessa altura, quando éramos crianças e passávamos pelo crivo da educação que também nos ensinava a socializar, não havia peritos em ler os lábios de quem fala. Não corríamos o risco de alguém decifrar a fala através de um meticuloso esquadrinhar dos lábios que, em sua movimentação, devolvem palavras ao exterior de nós. Não corríamos o risco desta moderna modalidade de voyeurismo. Agora, com os peritos diligentemente à cata da fala das personagens importantes, só para se saber se caíram em falso através da fala, as ditas personagens importantes previnem-se. A mão esconde os lábios e esconde a fala. O encargo dos peritos da decifração dos lábios esbarra na mão impertinente que tapa a boca.
Como os tempos são propícios à mudança, talvez o código de conduta tenha sido modificado. Prevenindo a ingerência dos decifradores das bocas que falam, um outro imperativo se sobrepôs, transfigurando o código de conduta: já não é má educação segredar em público, com o gesto ostensivo da mão a esconder as palavras entoadas. Como se tivesse sido feita uma adenda ao código de conduta, em virtude das necessidades apalavradas nas circunstâncias que entraram em mudança. A culpa será de atribuir aos novos voyeurs que vasculham, com precisão cirúrgica, cada movimento da boca para extraírem o sentido da fala.
Já não se dirá: não contes segredos à frente das pessoas, que é feio. Desta vez, o endosso das entorses ao código da boa educação (no que quer que isso seja) faz-se aos peritos da decifração da fala. A eles é que se dirá: é feio espiolhar cada movimento da boca e roubar a fala que devia ter ficado no íntimo de quem fala.
E o que de tão importante segredava o ministro ao secretário de Estado?
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