E depois havia aquela bandeira, o espasmódico enamorar com a perenidade da nação. Os cultores alinhavam-se em sentido, insistindo nos rostos fechados, rugindo juras de fidelidade à nação. Apesar de tão masculinos, eram capazes de levar a epiderme ao arrepio e de verter umas não reprimíveis lágrimas quando as estrofes do hino beijavam o céu.
Eram capazes de sublimar a escrita quando teciam loas à nação. Não admitiam que se escarnecesse dos símbolos da nação. E se o escarnecimento tivesse a nação como sujeito, eram capazes de declarar guerra. Declarar guerra. E de morrer pela nação, que a sua vida só fazia sentido se fossem diligentes guardiões da incorruptível nação. Não se importunavam que a nação os tratasse como seus filhos anónimos. Muitas vezes, ou quase sempre, como filhos bastardos. Nem assim se importavam. (Houve quem a isto chamasse síndrome de Estocolmo.)
A bandeira era sacrossanta, o opulento estandarte que encerrava o sedimentado lastro histórico da nação. Não sabiam que as pessoas são feitas do mesmo sangue e da mesma carne e dos mesmos ossos, apesar das nações. Não sabiam que diferentes idiomas não são a caução das nações. E podia haver diferentes culturas, idiossincrasias tidas como sendo do âmbito nacional; se os cultores da nação não se escondessem do pano de fundo sob os seus apurados analíticos narizes, dariam conta que dentro da mesma nação convivem diferentes culturas, às vezes diferentes idiomas – e cada vez mais, pessoas de diferentes lastros culturais. Estes abencerragens recriaram um espaço que se julgava sepultado.
A miscigenação, contemporânea do cosmopolita abraço do mundo, não é de agora. Os mesmos heróis dos cultores da nação foram, outrora, os primeiros a arrotear a avenida cosmopolita quando se miscigenaram com os locais. Não é surpresa: os mastins da nação estão reféns de um indisfarçável défice de conhecimento da História. A vulgata nacionalista é um nanismo intelectual, uma excitação hormonal. Eles são os seus próprios canibais, incapazes de perceberem como a sua narração do mundo é arcaica, no máximo o desejo de um oráculo que exigiria um retrocesso abismal na organização das pessoas.
Os cultores da nação continuam a dedilhar a garantia vitalícia da nação, os pobres. Se ao menos soubessem como a História é pródiga em nações efémeras. Não há garantias vitalícias.
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