Band of Horses, “No One’s Gonna Love You”, in https://www.youtube.com/watch?v=cuZo7pLnL7c
Dentro da folhagem recuada, atomizava-se um certo pesar pelas paredes outrora não caiadas. Dizia-se que elas deixavam à mostra a nata dos arrependimentos, os contratempos sem pré-aviso, as resoluções que vieram a ser assombradas pela imprecisão, os lagares onde eram fermentadas lágrimas sem paradeiro. As páginas amontoavam-se. Eram dispersos, sem ordenação nem morada de inventariação. “A caminho de serem um livro”, murmurava, como se estivesse a combinar com as vozes insuspeitas o prazo para tornar aquelas páginas públicas. Aquelas vozes que, em surdina, tornavam o rosto arcano atrás das sombras imorredoiras.
Era um livro inteiro, sem capítulos. Sem parágrafos. Uma mancha compacta onde se encavalitavam as palavras densamente arborizadas. A prolixa condição habitava no constante declinar do estertor. Onde se apanhasse com um tempo livre, esboçava umas palavras para adicionar ao compêndio existente. Não interessava que as páginas sucessivas se ausentassem de lógica, que fossem um invisível espaçamento entre materiais. Não interessava que os assuntos se sucedessem sem fio condutor; não é assim que grande parte do tempo sucede com as vidas?
Não sabia o que fazer com todo aquele arrazoado. Havia quem protestasse pela escrita gongórica, mas não acusava o toque. A escrita verte-se no estilo que aprouver, um código genético, inato a cada pessoa. “É isto que eu escrevo. Não vou capitular ao apuramento da escrita acessível nem ao aprumar dos assuntos. Esta é a minha escrita.” Indisponível para concessões, apalavrara o sentido incomum dos pensamentos que encontravam um cais no amontoado de páginas. “Sim, eu sei: isto oferece pouca inteligibilidade. Rima comigo.”
Em sua defesa, a acalorada vertigem que trespassava as páginas que não deixava embolorecer. Recusava que as vissem como um confessionário autobiográfico. Para afastar as suspeitas, polvilhou o enredo com factos improváveis e reações inverosímeis. “Este que narra de fio a pavio não sou eu”. Não receava que adejasse a contradição, pois se insistia ser esta escrita um selo genético, desaprovava o laivo autobiográfico. “Não fui feito para autobiografias. A minha vida é um imprestável pântano. Não seria do interesse de ninguém.”
Tinha uma ambição: que o livro fosse aberto, uma obra em atualização contínua. Há poetas que assim transitaram pela efemeridade da sua obra. Queria que o livro, o livro sem capítulos, se tornasse num livro de capítulo único, perenemente aberto à cartografia incerta do tempo vindouro.
Não sabia se era de mais a ousadia.
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