A corda lassa deixa aberta a escotilha entre o naufrágio e o apogeu. As pagas sobem pelas paredes húmidas do poço, não se intimidam com o musgo que o almofada. E nem os fantasmas noturnos, que açambarcam sonhos e os transfiguram em pesadelos, importunam o caudal do sono. Há um convencimento pleno de que o betão armado serve para aplacar as possíveis dores que os contratempos situem. Os fundos esteios conferem a fortificação. Palavras há que foram banidas do vocabulário: medo, sobressalto, cerco, solidão, silêncio, abismo, tergiversação. O betão armado povoou a cidadela. Não é à prova de bala, que armadura nenhuma o é. É uma garantia que reforça o desmedo e o situa perante o estuário do mundo na condição de suserano. Ufana-se. Bate no peito com o punho cerrado, visivelmente com a força toda, e o peito não dá de si. Ele não deixa à mostra o mínimo esgar de dor. Não consegue reprimir a altivez. Está convencido que é invejado pelos outros, os de fraca têmpera que habilitam o espírito à predação dos perenes mastins que se alimentam da fragilidade dos outros. Mas o punho cerrado que se esmaga contra o peito é um ardiloso exercício de força. Ele acaba por pousar suavemente no peito heroico. Percebe-se. E com esta consciência, soergue-se a desconfiança: porventura o herói oficial da cidadela é um embuste, a negação de si mesmo, um disfarce para enganar os temíveis mastins que se alimentam da fragilidade dos outros. O que tem a aparência de betão armado não passa de estuque, diligentemente moldado para parecer betão armado. É por isso que ele desenha um perímetro de segurança sobre os demais. Não quer que eles se cheguem perto, não vão perceber que a fortaleza se estilhaça na mais pura, e humana, fragilidade.
13.10.20
O estuque, disfarçado de betão armado (short stories #266)
Cage the Elephant, “Shake Me Down”, in https://www.youtube.com/watch?v=v27TRan1SBI
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