28.10.20

Tecnologia, o diamante (short stories #272)

Sigur Rós, “Dvergmál”, in https://www.youtube.com/watch?v=8AeI6-URlR0

          Tirou a sorte ao azar. (Ou talvez tenha sido ao contrário: o azar foi tirado à sorte.) Uma espécie de roleta russa. A adrenalina compõe-se na estante do olhar, avançando por ondas intrépidas que se sobrepõem à moderação dos precavidos. Nunca foi precavido. Nunca quis saber do tecido de que podia ser feito o porvir, porque não dava importância ao porvir. Alguns consideravam-no demencial. O avesso do paradigma, se fossem contadas as prédicas paternalistas que constavam do manual de procedimentos dos mandantes. Não contassem com ele para a engenharia social. O fumo, por exemplo: só começou a fumar quando tomou conhecimento da guerra sem quartel que passara a ser movida aos fumadores. Dele ficou conhecida uma frase irrebatível: “prefiro lamber um cinzeiro que dar um beijo ao engenheiro Macário.” Ou das várias formas de álcool, ele que só bebera a primeira cerveja a uns tardios vinte e cinco anos. Alguns perguntavam o que foi feito da sua muito disciplinada adolescência. Ele não consentia que tivesse sido disciplinada. Não que fosse contar os seus pecadilhos, que esses apenas importavam às faldas onde vagueia, errante, a insubmissa consciência. Mas não fora um conto exemplar, a sua adolescência. É que nem sequer interessava responder ao quesito: uma vida pretérita não formata a atual. Essa era a sua ideia de tecnologia. Nunca perdia de vista o diamante que uma vez julgou achar não na savana africana, ou nos terrenos garimpados algures na América Latina. Não era um diamante – e passou vergonhas no avaliador encartado, quando este, com um misto de comiseração e desdém, anunciou ser um diamante de fancaria. Resignado, meteu os pés ao caminho. E, a caminho de casa, não parava de pensar como os mandantes nestes tempos de emergência também são falsários, meros regentes habilitados a ostentar o despotismo noutros tempos escondido. Para ser desta tecnologia, antes ser refém do atraso.

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