3.11.20

Easier said than done (short stories #276)

Friedberg, “Pass Me On”, in https://www.youtube.com/watch?v=sC3xayCmscM

          As pessoas não se cansam de dizer: “para quem está de fora é fácil dizê-lo: mas tens de fazer o contrário do que estás a pensar fazer.” As malditas intenções, oh! que não quadram com os atos que se soerguem. Do outro lado, a réplica é a de sempre: “dizes bem, porque é mais fácil dizê-lo do que fazê-lo.” Este é o abismo que não é fácil situar. A matéria lívida que fica a pairar sobre as consumições que inflacionam a angústia. É que, no estético domínio da teoria, até os sobressaltados reconhecem que não devia existir divórcio entre os atos e as intenções. Mas a teoria coalha-se nos impertinentes contratempos que vêm a destempo, vertendo sal numa matéria que se queria adocicada. Exibem-se as manchas que enodoam as mãos. É o inventário dos arrependimentos, a báscula das memórias que a memória, com rédea solta, não consegue suprimir. E continuamos a recomendar, naquela pose paternalista que seria dispensável: “pensa bem, o que vais fazer é profundamente errado.” Contra as provas larvares que adestram um qualquer imperativo categórico (“não faças isso que não é o que te pedem as intenções”), não sobra espaço. As palavras emudecem na impossível congeminação da perfeição – esse punhal que não deixa de adejar sobre as cabeças aparentemente derrotadas. Se ao menos houvesse um cais onde se buscassem as águas purificadas e tudo ficasse de pose para a alvura inaugural. Dir-se-ia que o pretérito seria irrelevante, mas não seria objeto de um estalinista esquecimento. Dir-se-ia que os olhos se projetam sobre as promessas do porvir, sem saberem do chão que vão pisar e sem se importunarem com a incógnita. Talvez seja a caução dos lúcidos, a frase sensata que repetem na sua paternalista pose. E, paredes-meias com a imprudência, ouçam a resposta de sempre: “easier said than done”.

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