18.11.20

O desconhecido conhecido

Jessie Baylin, “Supermoon”, in https://www.youtube.com/watch?v=Jth571nuZRU

Joga-se à cabra cega, dentro do labirinto tomado por um eclipse. Por mais que suba a voz e por socorro ela chame, ninguém ouve. Os passos avançam por errância. Tentativa e erro, na sua mais pura forma. E de cada passo em avanço, não se sabe se o chão se dissolve e da fratura exposta sobra o abismo. 

A nitidez já só pertence ao vocabulário. Como se não passasse de uma miragem semântica, a palavra apenas uma sentença arqueológica. Uma passagem sob as portadas do quimérico, onde se fundem os sentidos com pesadelos acabados de ciciar ao ouvido. É o aval do desconhecido. Não há lugares familiares. Nomes sabidos. As palavras parecem despojadas de sentido, como se tivessem sido despedaçadas e depois reinventadas de significado. Os alicerces foram arrombados por anónimos servidores do caos, submetendo a teste a nossa capacidade para inventariar uma fuga de regresso ao lugar conhecido. Há sempre uma opção, por mais que nos queiram convencer do contrário. 

No alvor do desconhecido, esse parece constar do nosso dicionário como o novo conhecimento. Não se hipoteque a lucidez à barbárie dos que bebem na fonte de onde verte o veneno da desorganização. Talvez estivéssemos a precisar de desorganização. Talvez estivéssemos cansados da rotina e não considerámos a hipótese – ou, covardes submetidos à fulguração dos medos, fingimos que a hipótese não tinha estacionado à nossa porta. Compulsávamos as memórias inebriantes e as outras, as que podiam ter sido esquecidas no avesso do tempo, mas teimam em sua feição imorredoira. Às vezes, é preciso caiar as paredes que nos dão ao mundo para ver se o mundo nos aprecia em nosso diferente modo. É preciso sermos desconhecidos para todos, até um pouco para nós.

O conhecimento restringe-se ao desconhecimento. O resto foi penhorado nas águas volumosas que tudo erradicaram do mapa habitual. Sermos um arremedo do que fôramos não constava do frontispício onde, prometidos, habitavam os remédios para a paz interior. Temíamos o estremecimento tumular insinuado pelo labirinto avaramente colonizado pelo eclipse total. Temíamos que o simples tatear não chegasse para extrair o corpo da tirania do medo. 

Quando fomos convencidos pelo desmedo, tudo havia sido transfigurado, por dentro e por fora, nas formas e nas cores, na gramática dos sentidos. Enfim, ficámos convencidos que os termos se ditavam pelo equinócio do desconhecido conhecido.

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