30.11.20

Exílio apocalíptico

Ólafur Arnalds, “Ekki Mugsa”, in https://www.youtube.com/watch?v=eZ4B13ngUrY

Deixava os sonhos no formol que reiterava no constante lugar. O constante lugar: seu era o lugar, seu como pórtico de identidade. E, todavia, queria despojá-lo de conteúdo, torná-lo um não-lugar, erradicado dos mapas relevantes. Lembrava-se: é preciso coragem para alguém deixar a terra e lançar âncora num lugar desconhecido, com um idioma ininteligível, sem garantias a não ser um temível abismo de incerteza. Será como perder o chão sob os pés. O que dizer, então, dos exilados?

Em sonhos por si comandados, prometera um exílio com toda a pompa. Como se fosse acossado e a vida estivesse no frágil fio da prescrição, dissidente dos comandos imperativos do sistema. Talvez fosse o pretexto para emalar a vida para um lugar estranho e, uma vez forasteiro, arrimasse ao exílio disputado. Ou apenas pretexto para varrer as aragens rotineiras que o importunavam. Era um estranho sentimento que se apoderava: sabia onde hastear as raízes, mas nada o identificava com aquele lugar. 

E o que seria este exílio? Os sonhos, por mais que os industriasse, não deslaçavam a incógnita. Era o lado da equação que não conseguia resolver. Podia ser um exílio condoído, amesquinhando a resolução que tomara de deixar a terra mátria. Antes de haver um precipitado juízo, não seria má ideia demorar no diagnóstico. E se o lugar escolhido fosse um equívoco, não haveria lugar a um remédio, à demanda de outro lugar como mapa do exílio?

Nunca o saberia. Nem na ficção elaborada por intermédio dos sonhos que albardava no ócio especulativo. Deu conta de um luxo subavaliado. A oposição ao lugar enraizado é uma dor de crescimento, um punhal subcutâneo. Uma excrescência dos luxos de quem desconhece provações que marginalizam de um módico de direitos e comodidades. São as dores próprias de uma extenuação imprópria, ou apenas a condição insubmissa de quem desarmadilha o povoado da criatividade e não se contenta com a afluência e a paz limítrofe. 

Um exílio destes, não fosse motivado por um súbito acesso de nomadismo, seria um exílio apocalíptico. Um espancamento autoinfligido, selando uma autofagia só reconhecida a destempo. Como são todos os suicídios involuntários.

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