Mandavam-nos copular, com aquele tom de quem considera que copular é um ultraje para quem, outrossim, devia gravitar no arrebatamento próprio da ocasião. Especulávamos: quem assim se mantém, desmerecendo a cópula, admite, nas entrelinhas, as suas pessoais tribulações com o processo – que é como quem diz, gente de falo curto e lasso e outra gente sitiada pela frigidez, como se fossem humanos glaciares.
Mandavam-nos copular; e nós, que a esse propósito não gostamos de ser abjurados por desobediência, cumpríamos a sua profecia. Não lamentávamos que o deleite ficasse por nossa conta e a frustração irremediável por conta dos que nos apostrofavam. Talvez houvesse lugar a uma redenção, se os implacáveis sentenciadores do prazer forasteiro soubessem da poda, ou tivessem sido, em devido tempo, instruídos como seria de esperar para uma pose consentânea com essa tremenda fragilidade da espécie que é a fortaleza da transação dos corpos.
Havia, a cada esquina, os devotos sacerdotes da moral castradora que se incomodam com os filmes havidos nas casas alheias. Opinavam com abundância. Sobre os hábitos e as práticas e a frequência do ato de cujo intitulamento fugiam como quem tem medo do próprio idioma, ou do próprio corpo. Um dia – lembrei-me, subitamente – um casal de divulgadores de um credo minoritário bateu à porta de casa. Estando em dia de boa disposição, prestei-me a escutar um módico da preleção. A páginas tantas, a personagem masculina esbugalhou os olhos e, de dedo em riste, eu diria: em pose de quem estava possuído pelo demónio, exorcizou os fantasmas dos que se perdem no antro da “fornicação” (cito). Antes de o interromper confessando-me ateu incorrigível (para matar a conversa que já se tornara enfadonha), apeteceu-me perguntar ao patusco divulgador da “palavra do senhor” como é que veio ao mundo.
Dizíamos: estas pessoas que se intrometem na seara alheia são responsáveis por uma paradoxal orgia. (Ia a escrever “coletiva” a seguir a “orgia”, mas uma orgia é coletiva por definição.) Bem-entendido, para que a bomba não lhes estale na boca enquanto permanecem boquiabertos: orgia, sim, porque são eles que trazem para a praça pública um assunto que devia ficar reservado à intimidade dos amantes (na aceção de quem se ama – e estenda-se o contexto ao sexo em si). São eles os maiores voyeurs de que há conta. Se fossemos da mesma igualha (hipótese definitivamente rejeitada, por todos os motivos e mais algum), teríamos a curiosidade, porventura mórbida ou apenas maçadora, de intuir, ao menos intuir, o subterrâneo dos seus lençóis.
Mas não é o caso, como sabemos.
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