Estava escrito nas estrelas – já o tinha dito antes, há uns anos, num daqueles congressos dos PPD-PSD que sempre abrilhantei. Disse que estava escrito nas estrelas que viria a ser o líder deste meu partido, um digno herdeiro do Dr. Sá Carneiro. O que os portugueses desconheciam era o verdadeiro alcance da minha profecia: ser primeiro-ministro. Se o meu antecessor disse, algures no tempo, que tinha a certeza que iria ser primeiro-ministro, só não sabia quando, porque me seria negada esta pretensão?
Esta ambição cresceu desde os anos em que andava de calções. Os meus colegas tinham as brincadeiras habituais. Jogavam futebol, às escondidas, encenavam tiroteios entre cowboys e índios. Talvez por ter sido precoce, aos oito anos já brincava à política. Imaginava-me num país democrático (sim, também aqui fui precoce; com tenra idade era um contestatário do regime, apesar de ser um contestatário silencioso). Tecia cenários imaginários acerca da luta partidária. Um partido de esquerda estava posto de parte. Os meus pais deram-me uma educação assisada, fazendo-me ver que o socialismo (nas suas mais variadas categorias) era nefando. Via-me, com deleite, a manobrar com mestria na arte dos golpes palacianos.
Com o correr dos anos esmerei-me na arte da retórica. Com a entrada na adolescência agarrei a primeira oportunidade para me afirmar no glamour da minha presença, com os dotes de oratória a prenderem desde cedo as audiências. Sobretudo as femininas, pois uma corte de damas descobrira em mim um charme acima da média. Com as hormonas à flor da pele, tive que dividir o meu tempo pela intervenção política e pelas conquistas de corações femininos. Foi aí que descobri os prazeres da vida nocturna. Discotecas, muitas discotecas, que eram o local indicado para o engate. Elas seguiam-me e eu aproveitava o ensejo para coleccionar namoradas.
Tentei estabilizar, porque um político que se preze tem que transparecer uma imagem de salutar vida familiar. Casei-me e tive filhos. Mas era impossível combater a natureza que corre, selvagem, dentro de mim. Era impossível resistir a um pé de dança e a um rabo de saias. Não demorei muito tempo a estar divorciado. Os flirts sucediam-se a uma velocidade vertiginosa. Mantinha uma vida frenética: de dia política, muita política; à noite copos, dança e mais miúdas. Conseguia conciliar as hormonas com a ambição política que se mantinha bem acordada. Depois de concluída a licenciatura (com nota brilhante, como tudo o que faço na vida, com o empenho que ponho nas coisas), lancei-me na política. Apercebi-me que tinha que me mexer bem, junto das pessoas certas, para escalar a difícil escada da vida.
Por artes do acaso (ou em por isso…) o Dr. Sá Carneiro cruzou-se na minha vida (ou o contrário, já não me recordo bem). Foi a sorte grande, o empurrão definitivo para o estrelato político. A partir daí foi sempre a subir – enfim, um percurso de altos e baixos, com algumas derrotas pelo caminho, mas sempre com a perseverança intacta. Entrei para o governo, cheguei a secretário de Estado da cultura. Aí fiquei conhecido por duas grandes obras: descobri os concertos de violino de Chopin, dando provas de como os musicólogos do mundo são uma corja de parasitas desatentos que nunca se deram ao trabalho de descobrir que Chopin tinha legado esta obra notável; e deixei obra feita com a marca do Cavaquistão, o Centro Comercial (perdão, Cultural) de Belém.
Mas o chefe tinha inveja do meu protagonismo. Tirou-me o tapete e obrigou-me a fazer uma travessia no deserto. Estive sempre atento às movimentações do PPD-PSD. Foi só esperar que os resquícios do Cavaquistão fossem varridos para entrar na disputa. Perdi várias vezes, mas nunca desisti. Apesar de várias declarações solenes de que iria abandonar a política – quando as coisas não corriam de feição, mas apenas como manobra para congregar vozes que pediam para repensar o meu acto… – isso seria impossível. Porque um peixe tem na água o seu habitat natural. Eu, fora da política, perco o oxigénio da minha vida. Como também perco a razão de viver se não andar na roda-viva do jet set nacional (que tanto ajudei a construir, com outros cromos do imaginário lisboeta que inundam as revistas cor-de-rosa – vou dar instruções para que se mude para cor de laranja – de que fui um notável impulsionador).
Agora a profecia cumpre-se. Lembro-me das tantas vezes que ficava parado perante o meu espelho e perguntava: “espelho meu, espelho meu, qual o destino que me reserva o futuro?” Ao que o espelho sussurrava, numa voz cavernosa mas convicta, “PM, meu filho, PM”. Lá cheguei. Sem ter construído um pensamento político. Mas quem precisa, nos dias que correm, de ficar preso às ideias? Os tempos são de pragmatismo. A melhor receita é navegar por estima, ser intuitivo, oscilar de um lado para o outro ao sabor do vento, ter projectos que nascem em cima do joelho mas que se distinguem pela sua aparência de brilhantismo. Sou um produto da vacuidade dos nossos tempos: atenção dada à embalagem, sem dar importância ao conteúdo.
Há quem me acuse de ser populista. Cá para mim têm inveja do meu percurso. E das miúdas que acumulei no meu curriculum (ou, no caso das críticas femininas, de não terem engrossado o curriculum). São uns invejosos. Se me aborrecerem muito, ainda chego à conclusão que o país não me merece e tento uma carreira internacional. Hollywood seria um bom lugar para receber um ex-primeiro-ministro!
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