12.7.04

Maus fígados

Tenho que dar a mão à palmatória. O que previ na quarta-feira não se cumpriu. Sampaio não decidiu com o coração, antes com a cabeça. Respondeu aos instintos de coerência que não se cansa de apregoar e deixou plantadas as amizades que ansiosamente esperavam por eleições antecipadas.

Não estava à espera desta decisão. Admito que a simpatia pelo presidente da república é nula, o que também desajudou para a formação das minhas expectativas. Daí a elevá-lo ao patamar da heroicidade – como, de forma oportunista, certa direita tem feito – é algo que me recuso a fazer. No fundo, Sampaio limitou-se a agir com sensatez. A ser aquilo que ele gosta de recordar sem cansaço – que é presidente de todos os portugueses. Não apenas presidente das esquerdas que o elegeram, como estas esperavam que ele fosse. Se há alguma ruptura com a prática instalada, essa é a boa notícia que emerge no rescaldo desta tormenta. O presidente da república agiu com responsabilidade e esquivou-se a saldar contas com as suas potenciais clientelas.

O epílogo foi pessoalmente gratificante. Não tanto pela solução de Sampaio, antes pelas suas consequências. Como ponto de partida, devo dizer que antever Santana Lopes como primeiro-ministro é algo que me deixa ainda mais pessimista do que o habitual. A decisão de Sampaio foi gratificante no plano pessoal devido às reacções desabridas das esquerdas, que já contavam como o ovo no rabo da galinha quando, afinal, o presidente da república o colocou no cesto dos ovos “da direita”. Ver toda esta gente a espumar raiva, a destilar o descontentamento, a renegar o apoio de outrora que levou Sampaio à presidência por duas vezes, encheu-me de satisfação.

Por um lado, confesso o gosto perverso de me deleitar com as decepções das esquerdas. Talvez seja pura crueldade, por sentir um terrível bem-estar quando esta gente dá com a cabeça na parede e é obrigada a vir a público, contristada, reconhecer a derrota. Encho-me de satisfação por os ver carrancudos, macambúzios, enraivecidos, desfiando a retórica violenta e argumentos patéticos. O trago amargo da derrota para esta gente é alimento saboroso para o meu bem-estar.

Por outro lado, estas reacções exageradas das esquerdas manifestam o que elas verdadeiramente são: pouco dadas à tolerância. Curiosamente, não se cansam de exibir a bandeira da tolerância como o que as distingue das direitas. Quando as coisas correm de feição, são as detentoras da patente da tolerância universal. Quando as coisas descarrilam, a máscara cai e lá se vai a tolerância pelo cano do esgoto. Fica então desnudada a verdadeira essência desta gente. O culminar da “crise política” foi outra exibição inequívoca que engrossa o rol de intolerância das esquerdas.

A desorientação das esquerdas adoçou-me a alma. Vê-las que nem baratas tontas a baterem impiedosamente em Sampaio é uma sensação incomparável. Esta reacção não foi uma indigestão. Foi uma autêntica diarreia que promete ter efeitos duradouros. Quando esperavam que o presidente da república lançasse a bomba atómica para destruir “a direita”, eis que a bomba caiu do outro lado! Não vale a pena gastar tempo com as reacções do PCP e do Bloco de Esquerda. É o radicalismo do costume – mesmo quando se arvoram em guardiães da democracia, ao atestarem que a democracia sofreu um duro golpe com a decisão presidencial. Como se esta gente fosse o melhor garante da democracia. Sabemos bem qual é o seu entendimento de “democracia” para os dispensar como figuras tutelares da democracia.

Patética foi a reacção de Ferro Rodrigues. Patética, e ao mesmo tempo sintomática dos podres da política. Ele considerou a decisão de Sampaio uma derrota pessoal. No meio da desorientação (que sempre o acompanhou enquanto líder do PS), Ferro invocou a amizade pessoal com Sampaio para justificar a sua derrota pessoal. Eis como se misturam as coisas na política. Eis como ficou exposto aos olhos de toda a gente o que se suspeita: que as decisões na política são tomadas em nome de clientelas, para satisfazer amizades, mesmo que essas decisões se afastem do bem-estar da maioria. Ao confessá-lo de forma despudorada, Ferro confirmou o que já se sabia: não faz falta nenhuma à política.

Duas notas finais. Para quê gastar mais tinta com as diatribes de Ana Gomes? Cada vez mais me convenço que as suas peixeiradas revelam uma personalidade castrada pelos anos em que foi diplomata, quando esteve agrilhoada à contenção verbal. Felizmente vai deixar de ter o protagonismo que o seu amigo Ferro lhe decidiu dar por uma temporada. Segunda nota: Boaventura Sousa Santos terá sugerido, na SIC, que existiu uma relação de causa e efeito entre a decisão de Sampaio e a morte de Lurdes Pintassilgo. Nada mau, para uma referência intelectual do país.

Ou as baratas ficaram estonteadas e ainda não conseguiram parar para assentar as ideias, ou isto apenas revela os maus fígados que têm e que ficaram mais visíveis que nunca. Inclino-me para a segunda possibilidade.

1 comentário:

Anónimo disse...

Patética é a tua obsseção. Começo a ver nestes comentários um conservadorismo retrógado.Simbolizas o pior que a nossa sociedade tem ou seja a valorização dos pontos negativos , o dizer mal por dizer o que não deixa de ser ainda mais cruel vindo de uma pessoa formada e culta como tu.
Dos grunhos amioritários que habitam a tua cidade ainda entendo mas de uma pessoa como tu ....fica dificil mas vejo nisso o simbolismo da decadência de valores que nos afectam.
Oa valores e as causas são combatidos em toda a escala pois não interessam como produtos de consumo.
Pareces-me desesperado dentro do teu ninho de artilharia a disparar em todas as direcções num acto masturbatório e narcisista.
Volto a dizer-te que existem mais mundos do que aqueles que vês na pequenês da tua cidade .Existem mais pessoas que pensam positivo e que elas sim fazem avançar um pouco a nossa sociedade.
Agora não irás perceber as minhas palavras.O teu crescimento ainda nem sequer começou; acredito que vás evoluir por caminhos serenos pois se não o fizeres o universo vai encarregar-se disso mas através de alguns precipicios que terás de cair.
Espero aí que sobrevivas

Sou o Carter
Fait gaffe á toi