21.7.04

Correio em dia

1. Carter fez o comentário que se encontra aqui alojado. A minha resposta é a seguinte:
 
a) Sei que vai chocar, mas não me preocupa a existência de desigualdades de riqueza tão gritantes. Mais importante é gerar riqueza – apesar de soar a materialismo, bem sei. Ainda que ela esteja concentrada nas mãos de poucos, indirectamente dissemina-se por muitos que vêm o seu bem-estar aumentar (pelos novos investimentos que ela proporciona, pelos rendimentos salariais que gera, pelos impostos que vão absorver parte dessa riqueza).
 
b) Não enfio a carapuça quanto à sugestão cínica do “paraíso da abundância”. Carter, aposto que não és mais “anti-americano” do que eu!
 
c) Temos visões diametralmente opostas do funcionamento da sociedade. Já vem de trás a nossa discussão acerca de Marx. Tu continuas a acreditar nele, como outros ainda acreditam em Cristo – e noutros Messias que são a redenção de um mundo amaldiçoado. Já sabes o que penso de Marx. Tenho para mim que é o grande responsável pelas desigualdades que ainda existem – e não o mercado, os capitalistas, ou os “neo-liberais”.
 
d) Aposto que vês em mim um representante do hediondo “neo-liberalismo”. Aliás, está em moda usar o termo “neo-liberal” quando se quer diabolizar um modelo de sociedade que desconfia da bondade e da imparcialidade do Estado como engenheiro social. Estás redondamente enganado quando sugeres que Keynes é o referencial deste “neo-liberalismo”. Keynes é a antítese do modelo que defendo, como é a antítese de todo o liberalismo. Keynes é o alicerce da intervenção do Estado na economia, o grande teorizador contemporâneo de políticas fiscais activas e da necessidade de políticas sociais. Mas, para teu desassossego, devo-te dizer que não me vejo como um “neo-liberal”. Serei ainda algo mais radical …
 
e) Quanto ao anonimato: registo que Carter seja o teu nome. Mas não é justo sugerires que quem se esconde por detrás do anonimato sou eu (“o felino”), porque o blog tem o e-mail que me identifica.
 
2. Também do Ponte Vasco da Gama recebi um comentário. Devo dizer que:
 
a) Talvez seja possível ver na segregação clubística uma propositada divisão de águas. Chama-lhe parcialidade se quiseres, ou clubismo primário. É verdade que alguns energúmenos do Sporting invadiram o relvado quando o Benfica marcou o golo. Mas nas imagens vindas da Suíça só vi camisolas vermelhas e azuis e brancas. O que me conveio para escrever o que escrevi…
 
b) Não posso afirmar com a mesma certeza que foram mais as pessoas que ficaram nas bancadas do que as que saltaram para o relvado. As imagens não são esclarecedoras. Nem importa quantificar. Apenas registar a selvajaria que passeou pelo relvado. Os (possíveis) excessos dos seguranças não servem de justificação para este acto de selvajaria pura. Senão estamos mais uma vez a aceitar que os fins justificam os meios. Imagina, no meio do clamor popular contra a horrenda pedofilia do processo Casa Pia, se um acusado (antes de ser julgado) cai nas mãos da populaça reunida em manifestação contra as atrocidades cometidas. Justifica-se a justiça popular, o “olho por olho, dente por dente”?
 
c) Não é fácil concluir que os seguranças estavam a usar de força excessiva. Não sabemos se o indivíduo que correu pelo relvado, ao ser manietado pelos seguranças, não estava a oferecer resistência. Não sabemos se tinha a força de um cavalo que obrigava ao recurso de violência por parte dos seguranças. Nem sequer o povinho ali presente o sabia. (Lembra-te do catalão que entrou no relvado na final do Euro 2004 e atirou com uma bandeira ao Figo, antes de se estatelar contra as redes da baliza: também caíram em cima dele sei-lá-quantos seguranças, que de meiguice nada tiveram. E não houve qualquer invasão.) É o sangue na guelra, bem próprio dos povos latinos, que nos portugueses anda em letargia; mas quando desperta, irrompe que nem um vulcão furioso. A imagem passada para o exterior, essa é bela, sem dúvida. 
 

1 comentário:

Anónimo disse...

Respostas às respostas:
2b) Eu não defendi a justiça popular. Eu achei aceitável, naquelas circunstâncias, a invasão para pôr termo ao espancamento. Já não achei bem quando fizeram o mesmo aos seguranças. Mas a questão não bem essa que exemplificas com o caso "Casa Pia". Se alguém vê uma pessoa prestes a matar outra e pode evitá-lo, não o deverá fazer? Ou limita-se a assistir e esperar que a Justiça depois condene o assassino?

2c) Achei hilariante a comparação com a invasão de campo na final do Europeu.
Vamos dar às coisas a dimensão que elas têm: A invasão da Final, no clima de medo de atentados terroristas em que vivemos é uma coisa (e mesmo aí, achei que foram duros até o imobilizarem. Depois disso agiram normalmente - na Suiça continuaram a bater mesmo depois da imobilização).
Um jogo particular entre uma equipa da 3ª divisão da Suiça com o Benfica (por muito Grande que o Benfica tenha sido em tempos...) não passa de um treino com público.
A questão, para concluír, é que estás a tirar conclusões demasiado abrangentes dum acontecimento que há 10 anos não tinha dado na televisão e teria direito, se tivesse, a um parágrafo no jornal "A Bola". Essa sim, seria a real dimensão daquele acontecimento.
Andas a ver demasiado o país com base no que vês e lês na comunicação social. Cuidado!

Um grande abraço da Ponte Vasco da Gama