14.4.05

“I will be around” (ou o elogio fúnebre do “Pedro”)

Não foram os dois candidatos que disputaram a liderança do PSD que levaram a palma na frase bombástica do congresso do partido. O lugar estaria reservado a mais uma boutade do maior erro de casting de que há memória, Santana – “Pedro”, carinhosamente “Pedro”, para os indefectíveis e para as santanetes que irromperam do socialite.

Num dos discursos de despedida, a habitual encenação com laivos melodramáticos. Não me dei ao trabalho de ficar especado à frente da televisão, consumindo discursos a eito feitos pelos congressistas laranjas. O ritual dos congressos partidários está longe de me encher as medidas. O tempo, o escasso tempo, deve ser gasto em coisas mais úteis. E a paciência é pouca para ser desbaratada em manifestações carregadas de trivialidade. Apenas vi excertos seleccionados pelos jornalistas. Uma espécie de best off do dia. Foi num desses momentos que vi “o Pedro” a anunciar que ia embora, mas não de vez. Que “ia andar por aí”.

A frase tem o condão de levar às lágrimas, tanta a risada. “O Pedro” ainda não terá dado conta que o que resta de si, enquanto personagem política, é um esqueleto que se aproxima da decomposição em cinzas. Ou talvez não. Afinal estamos num país anormal. Que se engalana para ressuscitar personagens políticas que deviam estar bem enterradas na campa dos que morreram em combate político. Talvez esta seja a esperança “do Pedro”. Acredita que isto há-de bater ainda mais no fundo. Pela parte que me toca, nem sei o que esperar: as surpresas jorram a toda a hora. Quando se pensava que o inenarrável Eng. Guterres tinha trazido a coisa para o nível mais baixo de que há conhecimento, afinal “o Pedro” nivelou-a mais abaixo. Será que alguém vai descer o nível ainda mais?

Será este fulgor de sebastianismo que levou “o Pedro” a avisar que “ia andar por aí”? Como interpretar esta frase (se é que há inteligibilidade nos ditirambos que se soltam da boca “do Pedro”)? Andará “o Pedro” a ver filmes a mais? Terá agora, como presidente da câmara de Lisboa, o tempo livre que as funções de primeiro-ministro lhe roubavam, dedicando-se à filmografia melodramática hollywoodesca? Duas hipóteses: primeira, “o Pedro” avisa que vai estar vigilante, acha-se uma reserva moral da pátria; segunda, “o Pedro” comprou um espelho defeituoso e, quando se olha ao espelho, contempla o grande Messias que há-de inscrever a nação na rota do sucesso.

“O Pedro” é personagem de divã de psiquiatra. Os especialistas da ciência devem andar afadigados, tanta a matéria-prima para análise. É um caso raro de persistência política. Misturado com a indispensável dose de incoerência, aliás apanágio da classe política. Tantas vezes avisou que ia abandonar a política, tantos foram os esquecimentos que o levaram a deitar ao lixo o dramático aviso. Agora diz que não abandona. Que se há-de manter vigilante no seu posto, algures “por aí”, deambulando pela noite. Não como personagem esquiva, que isso não condiz com a busca das luzes da ribalta, com os néons da excelsa vida social de que tanto gosta. Mas há-de estar de vigia, para ver se o “seu” partido não descarrila, para medir o pulso ao país. Oxalá que a incoerência se mantenha: prometendo que regressará, que a prática e o tempo desmintam a promessa.

“O Pedro” acredita que a condição de antigo primeiro-ministro lhe confere a autoridade moral para ingressar no grupo dos sábios que estão acima de qualquer suspeita. Entrará para o restrito escol de iluminados senadores, presidido pelo irrepreensível Soares. Ser-lhe-á pedido parecer sobre tudo e mais alguma coisa. Como deve acreditar que a sua imagem saiu imaculada do equívoco que foram os quatro meses do seu consulado! Acontece com muitas pessoas: erros de auto-avaliação. Acreditam que são uma coisa, mas de fora para dentro são vistas pelos outros como coisa totalmente diferente. Quando pelo meio se adiciona uma pitada de enorme auto-convencimento, não há volta a dar. Vivem numa ilha – eles são a ilha, julgam-se senhores da verdade. Os outros, todos eles, estão errados. O problema é que a imensa maioria, ainda que esteja embrenhada no equívoco da análise, não tem os dotes destes predestinados. A incompreensão alheia leva aos desvios de um futuro brilhante…

“O Pedro” tem um mérito que ninguém pode negar. Com ele, a paisagem política caseira atingiu níveis de comicidade sem precedentes. Foi rir até a barriga doer. Sem parar. Veja-se como a sua análise de enorme calibre traz surpresas impensáveis: ainda no congresso, afiançou que a paragem da campanha eleitoral durante o dia do funeral da irmã Lúcia roubou muitos e decisivos votos ao PSD! O que dizer? Já não há pachorra, ou que “o Pedro” rivaliza com os melhores comediantes que temos?

Paz à sua alma!

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