4.4.05

Olha para o que eu digo, não para o que eu faço…

A Greenpeace já nos habituou às suas acções espectaculares, quando tenta impedir atentados ao meio ambiente. Quantas vezes as imagens televisionadas não entram olhos dentro, encenações bem montadas, com especialistas em desportos radicais que emprestam a adrenalina e a espectacularidade que são os nutrientes do mediatismo? É a melhor forma de despertar as consciências adormecidas, ainda pouco sensibilizadas para a causa ambientalista. Há que as chocar com a intensidade dramática das acções de protesto, em que o mundo inevitavelmente aparece segmentado entre os bons (eles, os generosos ambientalistas) e os maus (os porcos capitalistas que não hesitam em delapidar os recursos naturais para se alambazarem com o nefando lucro).

Por cá a Greenpeace andou adormecida. As imagens retratavam acções espalhadas pelos quatro cantos do mundo. Alguma vez teríamos que ser bafejados pela sua messiânica visita. Em pouco tempo, duas acções carregadas com o sal e a pimenta de um filme de acção. Estes são os novos McGivers que, sem recurso a armas de fogo, apenas dotados de muita imaginação e de falta de respeito pelo direito de propriedade, saltam para as primeiras páginas dos jornais. Os novos justiceiros, que denunciam as atrocidades que empobrecem o meio ambiente. Põem-se a jeito para a grande coligação que acusa a terrível globalização que enriquece um punhado de criaturas sem escrúpulos, remetendo à miséria cada vez mais pessoas indefesas perante os braços tentaculares deste polvo sufocante.

Não tivesse a Greenpeace descoberto que por cá se importam madeiras exóticas vindas da floresta amazónica, e não teríamos ainda o prazer da sua visita. Primeiro ensaiaram um bloqueio ao navio que atracou no porto de Leixões para descarregar essas madeiras. Objectivo falhado. Por mais voltas que dessem, para desespero do ingénuo jornalista que embarcou no bote dos ambientalistas, não conseguiram ocupar o navio.

Dias mais tarde, meia dúzia de seguidores da seita acorrentou-se às instalações de uma empresa de transformação de madeiras. Queriam denunciá-la pela importação de madeiras exóticas vindas do Amazonas, contribuindo para um atentado ambiental da pior espécie. Quem quisesse entrar nas instalações da empresa para trabalhar, não o podia fazer. Foi então que as câmaras da televisão testemunharam a actuação brutal e impiedosa de um administrador da empresa. Vendo que não podia entrar nas instalações que são suas, que não podia ir trabalhar, o homem irrompeu que nem um javali ferido e levou tudo à frente. Um activista e um operador de câmara provaram o sabor dos seus punhos.

Qualquer tipo de violência é lamentável. Não sei se o faça em relação ao acto irreflectido do administrador da empresa. Ponho-me a pensar: qual seria a reacção das criaturas que ali estavam, numa manifestação de “resistência pacífica”, se chegassem a casa e reparassem que alguém os impedia de entrar? Imaginemos que alguém, descontente com o alarido do Greenpeace, insatisfeito com os constantes atentados ao direito de propriedade cometidos pelos militantes da causa ambientalista, quisesse pisar o calo dando a entender a estes activistas qual a dor que eles provocam quando se arvoram na suprema consciência do mundo e espezinham os direitos individuais alheios.

Dir-me-ão aqueles que se alistam na causa colectivista: há objectivos comuns a todos nós que justificam a entorse de direitos individuais, mesmo ao direito de propriedade. Tal seria o caso da mediática acção que impedia o acesso às instalações da empresa de madeiras. Mas nestas coisas gosto sempre de reverter os cenários – dando voz ao afamado princípio cristão que ensina “não faças aos outros o que não gostarias que fizessem a ti”. Adivinho a reacção dos militantes da Greenpeace, quando dessem conta que não podiam entrar nas suas casas. Não seria contentamento. E, por entre a retórica de pacifismo mal encapotada que alinda o seu discurso, aposto que algumas destas criaturas também partiriam para a acção física para fazer valer o seu legítimo direito de propriedade.

O problema seria a terrível incoerência de que não se conseguiam desprender: o popular adágio “olha para o que digo, não olhes para o que eu faço” teria então a sua consagração, derrubando a máscara de cordeiros dóceis que se esconde detrás destas criaturas.

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