Correm de boca em boca histórias de alunos que se fazem substituir por colegas em exames. Naquelas disciplinas que teimam em desafinar com as suas capacidades. Como há quem seja mais dotado, a amizade, a comiseração, ou uma boa maquia em dinheiro fazem o milagre de uma classificação de dois dígitos, quando nas tentativas anteriores um angustiante dígito era a nota possível.
Estas histórias correm de boca em boca, com a velocidade supersónica dos rumores. Como rumores que são, quase sempre não passam disso mesmo, de simples rumores. Mas em tudo há excepções. Recentemente deparei com dois casos destes. Dois alunos finalistas embirraram com a disciplina de Estatística. Exame atrás de exame, insucesso atrás de insucesso. Como se retardava a conclusão do curso, e como Estatística era a última disciplina que lhes faltava, restava o recurso final. Alguém foi em sua vez, e o redentor “dez valores” surgiu em pauta. Para azar deles, soube-se do episódio numa conversa de corredor captada por um funcionário. Para meu azar, que ainda carrego às costas a cruz de ser licenciado em direito, instruí os processos disciplinares que foram abertos aos alunos.
A aluna confessou que alguém tinha ido em sua vez. Aconselhada por uma advogada, que a representou, teve a dignidade de reconhecer que errou. E que estava arrependida. O aluno teve uma postura diferente. Na resposta por escrito desmentiu a acusação. E partiu para o ataque: considerava-se ofendido por o acusarem da fraude; e oferecia-se para provar que a caligrafia do exame de Estatística era a sua. Entretanto recolhi outros exames, noutras disciplinas, feitos pela mão deste aluno. Por coincidência ou não, em todos os exames a caligrafia coincidia. Já a do exame de Estatística era bem diferente.
Quando os alunos foram chamados para prestar declarações, os comportamentos mantiveram-se em bitolas diferentes. A aluna reconheceu o erro, pediu desculpa e prontificou-se a aceitar a sanção que a universidade decidisse. Já o aluno insistiu na arrogância, na impertinência. Reafirmou que esteve presente no exame de Estatística. Quando o desafiei a escrever um texto para provar a caligrafia, apesar do seu esforço apenas consegui obter uma terceira caligrafia – diferente dos outros exames, mas bem longe do exame de Estatística.
Remeti o processo ao conselho disciplinar. O parecer propunha a anulação da nota de Estatística para ambos os alunos (consequência natural da fraude), uma repreensão por escrito para a aluna e uma suspensão de trinta dias para o aluno. Achei que era a melhor forma de distinguir os comportamentos antagónicos dos alunos. Não sei se perante a arrogância e a teimosia que o aluno exibiu alguém mais rigoroso não proporia a expulsão. Os alunos foram notificados das sanções. O aluno, dando mostras de uma falta de inteligência própria de quem tenta esticar a corda, como quem vai em frente mesmo sabendo que o próximo passo pode ser um salto em vazio no abismo, enviou um e-mail aos membros do conselho disciplinar e ao instrutor do processo. Vale a pena transcrevê-lo:
“Ex.mo(a)s senhore(a)s:
Tomei conhecimento há pouco da decisão do Conselho Disciplinar sobre o processo em que alegadamente eu estava envolvido (exame de Estatística). Gostava, apenas, de comunicar às pessoas que assinam esse documento que lamento o vosso erro. O que para vocês foi um simples assinar de papéis sem grandes implicações, para mim tem consequências imensamente prejudiciais. O único consolo neste momento é saber que não tenho nada que ver com os factos em apreço no processo. E como acredito na justiça, sei que a verdade será reposta – só é pena que isso vá durar tempo demais, obrigando-me a alterar os meus projectos de vida mais imediatos.
PS – Como a Universidade nunca se referiu aos reais indícios que originam as suspeitas sobre a minha presença ou não presença no referido exame de Estatística, também nunca será correctamente esclarecida.”
O único comentário que se oferece é este: sem comentários! Ou melhor, sem surpresa, sabendo (como soube entretanto) que a criatura é membro da juventude do CDS-PP (Gerações Populares, ou lá como isso se chama). Há quem seja da opinião que as juventudes populares são do que há de pior no nosso sistema político-partidário. É aí que fecunda o espírito carreirista dos oportunistas de serviço que se acoitam à sombra das mordomias dos cargos que lhes caem em sorte. É aí que germina o caciquismo que destila outro dos fenómenos deploráveis da política caseira. Parece não haver lugar à indignidade. É gente que leva a tabuada bem ensinada. São eles que, como os seus colegas mais tarimbados na gestão da coisa pública, juram a pés juntos o contrário do que aparece à vista desarmada, com a desfaçatez de quem mente com os todos os dentes que tem.
É esta a geração que virá mais tarde desempenhar cargos de importância. Incapaz de romper com os maus hábitos dos mais velhos, reproduzem-nos com mais refinamento. É a “boa escola” das juventudes partidárias. Aprendem aquilo que os mais velhos já são e não hesitam em piorar o panorama. Pergunta-se: não há forma de os banir?
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