Estamos à frente dos nossos parceiros europeus em alguma coisa! Quando toca a gastar dinheiro no euromilhões, levamos a palma aos restantes países. (Falta saber se a notícia foi dada com rigor. Senão caímos na falácia do inefável ministro da economia, que ao querer justificar os mega-investimentos no aeroporto da Ota e no TGV lembrou que do outro lado da fronteira o investimento no comboio de alta velocidade é duas vezes superior ao previsto em Portugal. Ter-se-á o ministro esquecido de relativizar os números, pois em Espanha há para cima de quatro vezes mais população…).
Terá algum significado o lugar mais alto do pódio? Duas hipóteses. Primeira, empatamos mais dinheiro num jogo de fortuna porque somos os mais pobres da Europa (se descontarmos os países que entraram na União Europeia em 2004 – e, mesmo entre eles, Chipre, Malta, Eslovénia e República Checa já nos deixaram para trás). Os mais pobres, afligidos pela carência material, jugulados por um orçamento mensal que é sempre curto e que deixa algumas necessidades essenciais por satisfazer, em tantos casos, ou sonhos por realizar, em muitos mais.
Os que vivem à míngua são os que mais apostam quando os jackpots se sucedem? É pouco plausível. O dinheiro não estica e, a menos que estas pessoas se exponham mais ainda a carências diversas, faltam meios para gastar rios de dinheiro naquela que pode ser a sua carta de alforria. Ou podemos estar perante uma mobilização nacional. Até os que sofrem essas carências encontram uns tostões para apostar no euromilhões. Somados uns atrás dos outros, mais aqueles remediados que rapam o fundo do tacho das economias familiares julgando que é desta que a sorte lhes toca, eis o resultado final: o lugar cimeiro no dinheiro canalizado para a aposta na fortuna.
E se os mais pobres, a quem mais jeito daria sair a sorte grande, não forem os clientes de eleição do euromilhões generoso? É profunda a crise que atravessamos. É um lugar comum: o dinheiro escasseia e, em tempo de vacas magras, são os menos afortunados pela abundância material que penam para viver com a escassez que os aflige. Donde se presume que não são os mais pobres que contribuem para a volumosa soma apostada no euromilhões. Resta a segunda hipótese – a ganância. Serão os remediados, os que na classe média ainda conseguem passar ao lado da crise (ou fazer de conta que a crise não quer nada com eles), que mais apostam na fortuna eventual.
O diagnóstico é pouco simpático para o colectivo que somos. Um diagnóstico de ganância, de indolência. Ganância porque são rios de dinheiro que acompanham a nossa fé cega de que será desta vez que a ambicionada afluência material vai chegar. Saltando por cima do jogo das probabilidades matemáticas, as apostas levam muita gente a empatar somas astronómicas na crença que a sorte será comprada com essa generosidade agradecida pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Fazem-se planos, congeminam-se compras mil, na realização dos sonhos que nunca passaram do onírico. E quando os microfones desfilam à frente dos anónimos apostadores, à pergunta “o que faria se lhe saísse a sorte grande?” a resposta é invariável: “deixava de trabalhar”.
Daí a indolência, como extensão da ganância. Os que andam a semana inteira a prolongar os sonhos, imaginando o que fariam com a enxurrada de dinheiro caso acertassem em todos os números sorteados, partem do pressuposto que a sorte grande significa desnecessidade de trabalhar. Não ouvi nenhuma alma entrevistada a dizer que aproveitava a fortuna para investir no seu próprio negócio. Não, apenas o dolce fare niente, a modorra de ficar preso à languidez dos dias passados sem nada haver para fazer. A morte cerebral, trazida em bandeja de ouro pelo dinheiro abundante ali mesmo servido aos seus pés.
Não é surpresa. Quando toca a medir a produtividade, a comparação com os parceiros europeus é-nos desfavorável. Surgimos no último lugar, numa lamentável exibição do preguiçoso que habita em cada um de nós. O que reitera o diagnóstico. Só uma turba pouco dada ao trabalho se motiva para gastar tanto dinheiro naquilo que antecipa como a sua emancipação material, que coincide com a reforma muito antecipada.
Este pódio tem um sabor amargo. Coloca-nos ao sabor dos imponderáveis, do acaso da sorte. Não temos capacidade para trilhar o nosso caminho. Somos dependentes de factores aleatórios que podem trazer a afluência material. Não é o suor que recompensa, apenas a persistência em ir cavando aqui e ali até encontrar a mina de ouro. O pior vem quando ela nunca é encontrada: a depressão exacerba-se, para mal da auto-estima pessoal e nacional.
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