12.7.05

E porque não viver debaixo da ponte?

Compramos uma casa e temos que reservar uma pipa de dinheiro para pagar impostos, contribuições, taxas e emolumentos vários. Dizem os que acreditam na necessidade de pagar impostos: é o preço por vivermos em comunidade. Só não entendo que mantenham a ingénua opinião quando olhamos para todos os lados e nos encontramos cercados por uma teia de impostos que nos aprisiona, como se fôssemos o manjar que a aranha (o Estado) espera depois de tecida a teia.

Agora já não pagamos o imposto que um primeiro-ministro que não deixou saudades apelidou de medieval – a sisa. Foi substituído pelo imposto municipal de transacções (IMT). Feitas as contas, o comprador de uma casa não ficou a ganhar com a troca: as avaliações fiscais ficaram mais próximas do valor de mercado das habitações. É sempre assim: quando as autoridades decidem mudar impostos, e da mudança resulta o abate de dois impostos que passam a estar condensados num só, da engenharia fiscal resulta prejuízo para o contribuinte. Fazem-se as contas e da calculadora salta à vista o diagnóstico: a cifra a pagar é mais elevada.

Antes de pagar o IMT, há que registar a habitação. Perde-se tempo infindável na conservatória do registo, com o risco de apanhar um antipático funcionário que continua a pensar que somos nós, utentes, que estamos ali para o servir a ele, funcionário. Pagamos os registos provisórios, para depois pagarmos os registos definitivos (para quê a duplicação?). Uma conta calada. Aposto que o valor de mercado destes actos seria bem inferior ao exigido pelo Estado. Se fosse possível computar o valor económico da participação dos funcionários de uma conservatória de registo predial, adicionando um valor pelo acto em si que não fosse a exorbitância do momento, decerto o custo dos registos seria menor. Não o é porque o Estado beneficia de uma posição de monopólio. Os monopolistas fixam o preço que lhes for conveniente. Para os utentes, é pegar ou largar.

A aquisição da casa obriga a pagar o IMT. Onde campeia a imoralidade: o Estado sabe que os intervenientes no negócio escrituram a casa por um valor inferior ao real, para que ambos paguem menos impostos (IMT para quem adquire, IRC para quem vende). As finanças sabem que existe esta ficção, no fundo uma desautorização do Estado. Fosse outra a ousadia tributária, fossem os impostos menos penalizantes, houvesse a percepção de que nos vão estupidamente ao bolso pelo acto nada luxuoso de comprar uma habitação, e decerto se dispensava esta situação de faz-de-conta. Com a agravante da arbitrariedade e da incerteza que estão instaladas. Os fiscais de impostos têm conhecimento da duplicidade de valores. No afã fiscalizador, nunca se sabe se o preço declarado será baixo demais, motivando a ira persecutória de um zeloso funcionário das finanças. Com azar, lá vem multa e mais IMT a pagar.

O monstro dos impostos sobre a habitação ainda não está saciado. Todos os anos, liquidar a contribuição autárquica (depois de passados os dez anos de bónus que piedosamente são oferecidos, esteja o valor da aquisição abaixo de um certo limiar). Tecnicamente, este imposto justifica-se porque a casa ocupa terreno implantado no município respectivo. É de bradar aos céus: que se saiba, as casas ainda não podem planar no ar! Como se dá o caso de terem que estar alicerçadas no solo, e como todo o solo corresponde a um município, eis a oportunidade de ouro para inventar uma receita que enche os cofres das autarquias. À custa de quem se dá ao “luxo” de não querer dormir ao relento.

Se vendemos a casa, e acaso a vendemos por um preço superior ao da compra, mais um imposto a pagar – o imposto sobre as mais valias. Se o mercado tem a ousadia de se caracterizar pela inflação de preços com a passagem do tempo, há que tributar o lucro gerado (como se o lucro fosse uma imoralidade que dá direito a penalização através de imposto). Vale a decisão dos fiscais de impostos. São eles que decidem o valor da mais valia. Depois é só aplicar a fórmula que consta dos códigos, e alegremente liquidar a verba devida.

Diz a Constituição: todos os cidadãos têm direito a habitação condigna. Quando tentamos ser proprietários da nossa habitação levamos com uma enxurrada de impostos e contribuições avulsas, como se houvesse uma contradição entre o preceito da Constituição e a prática. O paradoxo assume maior evidência ao comparar dois cenários – ser proprietário da habitação, ou optar pelo arrendamento. Para quem arrenda, nenhum imposto, taxa e emolumento é devido. E pergunto-me: este afã de arrecadar receitas, tributando tudo e mais alguma coisa, será, no caso da habitação, sinal de uma economia marxista que penaliza a ousadia de quem quer ser dono da sua casa?

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