13.10.06

Afinal, elas também são fúteis

A publicidade é um terreno fértil para o comentário. Já algumas vezes escrevi sobre campanhas publicitárias – no insólito, no imaginativo, no absurdo, no patético, ou como a publicidade é um veículo maior da tendência para coisificar o corpo humano. Sobretudo o corpo da mulher, o que tem dado azo a protestos exaltados de uma coligação contra-natura: igreja promotora dos bons costumes e feministas heterodoxas indignadas com a desvalorização da mulher, que aparece como um mero corpo para apropriação dos prazeres masculinos.

Como publicidade é inovação, parecem soprar novos ventos – decerto do agrado da fobia igualitária das feministas. A OK Teleseguro está a divulgar um produto novo: o seguro automóvel para mulheres. Quando a campanha foi apresentada pensou-se que seria uma maneira de proporcionar vantagens para quem paga mais dinheiro pelo seguro automóvel. O senso comum aponta para a aselhice congénita do sexo feminino quando toma conta do volante. Sei como esta afirmação contraria os cânones do que pode ser dito em público. Mais ainda porque há estudos, divulgados na imprensa, que desmentem as convicções formadas na voz do povo: no fim de contas, em média as senhoras pagam seguro automóvel mais barato que os homens. Afinal eles são mais aselhas na estrada!

Talvez para as compensar – libertando-as do libelo acusatório de que não possuem destreza ao volante; e para não as fazer pagar pelos descuidos dos homens – a OK Teleseguro inventou um seguro só para elas. A publicidade teria que as seduzir para o produto feito especialmente à sua medida. O spot é a inversão de tudo a que estamos habituados no reino da publicidade. São vulgares os anúncios que usam o corpo da mulher para aliciar homens salivantes a comprarem produtos tão diferentes, apelando a uma brutificação da mensagem e do destinatário. Até que um criativo na agência de publicidade terá pensado: e as mulheres também não têm as suas fantasias? O corpo do homem não pode ser objecto dessas fantasias?

Eis os ingredientes para o reverso da moeda: à coisificação do corpo feminino, a resposta à altura com a coisificação do corpo masculino. Afinal elas, atraídas pelo anúncio, também idealizam o corpo masculino como o estereótipo dos vários corpos que desfilam no spot da OK Teleseguro. Ele é o mecânico debruçado sobre o automóvel na oficina, o rapaz da empresa de entregas urgentes de encomendas ao domicílio, o canalizador que salva as donas de casa de sarilhos com os canos da água que decidiram deixar de colaborar. Todos eles corpos musculados, os bíceps, triceps, peitorais e demais musculatura bem constituída, tudo bem preenchido com bronzeado artificial, mais as melenas efeminadas. E a libido feminina excitada no desfile dos corpos dos modelos que – aposto – estão muito próximos da acefalia.

As senhoras excitadas provam que são iguais aos homens que não resistem a olhar para uma mulher esplendorosa. Elas também idealizam a metade restante do par perfeito. Nada de neurónios, que o que interessa é a musculatura avantajada, de preferência despida de pilosidades (que os metrossexuais estão na moda). Nem que se perceba que os modelos recrutados para o anúncio da seguradora devem ter gasto horas e horas de película, incapazes de sequer lerem as poucas palavras que tinham que balbuciar. Até que se revela a conclusão: afinal elas também coisificam o corpo masculino.

Nada me repugna na campanha que usa o corpo do homem para atrair as condutoras à contratação do seguro especialmente talhado para o sexo feminino (para além do que ficou dito). Só que se desfaz um mito, o do império do corpo feminino como alvo da embrutecida coisificação promovida por homens insensíveis, egoístas, apenas entregues ao império dos seus prazeres carnais. Elas denunciam a bestialidade masculina – “os homens são todos iguais”, perdem o juízo quando lhes passa pela frente um rabo de saias –, mas afinal também se deixam levar pela tentação das suas fantasias escondidas. Perdem a moralidade para apontarem o dedo aos homens que coisificam o corpo das mulheres.
Tudo isto acontece para gáudio das feministas, que por fim provam o adocicado sabor da igualdade de sexos. E para angústia da beata igreja, que percebe que há cada vez mais ovelhas tresmalhadas, entregues nos braços da demoníaca tentação carnal.

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