O povo augura: é de pequenino que se torce o pepino. Os genes que se herdam são uma poderosa explicação para os comportamentos infantis que se esboçam desde tenra idade. Ontem soube que a minha filha se recusou a participar num jogo de grupo com os colegas do infantário. Pediam-lhe para dizer os nomes do gato e da cadela que tem em casa. Tarefa que ela costuma despachar com uma perna às costas, apesar do escasso vocabulário inteligível. O mutismo falou mais alto. Os colegas não ficaram a saber os nomes dos nossos animais domésticos.
Isto soa-me a familiar. Os progenitores são personalidades muito diferentes. Para o que vem ao caso, o pai é avesso a participações em grupos, em filiações colectivas, em terapias de grupo. A filha, à beira de cumprir dois anos, não tem culpa de alguns dos genes que o progenitor lhe passou. Havia tanta coisa boa para herdar e logo foi buscar esta sombria característica que o mergulha num profundo individualismo. Pode ser que consiga moldar a sua personalidade e se emancipe das amarras genéticas.
Não sinto a menor atracção por manifestações colectivas onde pulsa um “espírito de grupo”, as pessoas partilham interesses comuns e colocam toda a sua generosidade ao serviço desses interesses. Porque há sempre aspectos, por pequenos que sejam, onde emerge a falta de sintonia. E, por pequenas que sejam, as divergências acabam por falar mais alto que o mar imenso de coisas em comum que me liguem aos restantes membros do “grupo”.
Os exemplos não têm fim. Nos tempos da escola, nunca me agradaram trabalhos de grupo. Por saber que havia sempre parasitas que se grudavam ao grupo, sem nada fazerem e recolhendo os mesmos louros dos que contribuíram para o produto final. E porque sendo difícil chegar a acordo sobre um certo aspecto, não conseguia combater uma intolerância inata que levava a querer impor a minha vontade. Para evitar estes conflitos, só tinha duas hipóteses: ou prescindia das minhas opiniões, num acobardamento que incomodava, ou fugia dos trabalhos de grupo.
Nunca fiz um cruzeiro, mas a ideia de andar fechado em alto mar durante dias a fio com a mesma companhia imposta pela exiguidade do navio é asfixiante. Sobretudo por temer a incerteza, o jaez dos companheiros de viagem que aleatoriamente me calhassem. Mas também por relatos que escutei acerca dos rituais de grupo que imperam entre os comparsas de ocasião nos dias da viagem. Um amigo confidenciou-me, incomodado, o arrependimento por ter participado num cruzeiro pelas águas do mediterrânico. Deu conta da sucessão de episódios caricatos: a participarão obrigatória nos jantares temáticos, tão obrigatória que o mínimo atraso que prenunciasse ausência era denunciado alto e bom som pela instalação sonora do navio, para todos saberem quem eram as “ovelhas ranhosas”; a participação, também obrigatória, nas festanças, nos karaokes, o imperativo de se mascarar sob pena de levar com o olhar de censura dos animadores de serviço; e, o zénite, um grupinho de compinchas que se formou, logo liderado por um enérgico patusco, que sentenciava o comportamento relapso do meu amigo com um devastador “estás a boicotar o espírito de grupo”.
É esta fobia pelo “espírito de grupo” que me aguça o espírito de contradição. Leva-me por caminhos que evitam os rituais da participação em grupos, como se fossem tribos modernas. Ocorre-me outro exemplo: apesar de algumas afinidades ideológicas, não consigo imaginar a participação em movimentos liberais (ou “ultra-liberais”, para fazer a vontade dos sacerdotes da moralidade que vagueiam pelas esquerdas bem pensantes). Amiúde sucede que quando os “ultra-liberais” se envolvem em polémicas exaltadas com gente de outros quadrantes, e quando destilam as suas certezas incontestáveis, apetece-me dar razão aos outros, com quem não tenho a menor identificação. Deve ser defeito a atirar para o domínio do psiquiátrico, quem sabe. Revela a insatisfação de me rever em grupos com os quais não sinto identificação nos comportamentos tribais que fomentam.
Groucho Marx sintetiza o meu sentimento individualista: “era incapaz de ser sócio de um clube que aceitasse um tipo como eu”.
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